17 de dez. de 2008

ADI 2316 (BANCOS ) - DEFENSORIA RJ

Há, aqui neste blog, publicações de outras notícias a respeito desta ADI 2316-1-DF, mas hoje - 17.12.2008 - formulamos novo requerimento endereçado ao Presidente do STF, alvitrando seja expedido comando de caráter vinculante, uma vez que, embora não concluído o julgamento, já foram proferidos 6 votos, sendo 4 a favor da tese autoral e dos consumidores. Para mais esclarecimentos, convém consultar o site do E. STF.

POSSE NOVOS DEFENSORES PÚBLICOS

Estou em Brasília-DF, exercendo meu munus junto ao STF e STJ, razão pela qual não pude comparecer à posse dos novos Colegas, marcada para hoje a tarde.
Mas quero registrar, também aqui, os meus sinceros votos de que venham a ser felizes na carreira que escolheram. Parabéns !

13 de dez. de 2008

Registro de Paternidade feito por quem sabia que NÃO era o pai - ausência de vício do consentimento - registro mantido

O registro de paternidade só pode ser anulado se houver vício de consentimento. Portanto, quem, sabendo que não é o pai biológico, voluntariamente se declara pai ao fazer o registro de nascimento, não pode ver provida ação (de anulação do registro de nascimento) ajuizada depois, salvo se demonstrar que fez o registro sob a presença de algum dos vícios do consentimento.
Nessa linha decidiu a 3a. Turma/STJ, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, registrando que deve ser levado em alta conta a prevalência dos interesses da criança em ver preservado seu estado de filiação , o qual só deve ser desconstituído ante a demonstração de vício do consentimento (resumo de nota trata em Notícias do STJ, de 12.12.2008 (08?04h) - fonte: site do STJ).

STF - Cópia obtida da internet é válida para instruir agravo

Ao julgar o REsp 1053015-RS, em 21.10.2008 (Acórdão publicado em 26.11.2008), a 3a. Turma/STJ concluiu que, ainda que não tenha certificado digital, mas sendo possível verificar que o documento foi extraído de site oficial, a cópia de decisão obtida pela internet é válida para integrar agravo de instrumento.
Tal decisão, ao mesmo tempo, flexibilizou rígida jurisprudência do STJ e consolidou avanços tratados na jurisprudência daquela prestigiosa Corte aos quais se refere o próprio case ora em comento.
Consta do relatório:
... "Como se depreende da redação supra, o dispositivo expressamente se refere a "cópias ", sem explicitar a forma que as mesmas devem ser obtidas para formar o instrumento.
Os avanços tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades processuais anteriormente exigidas. Exemplo recente e significativo é a comprovação do dissídio jurisprudencial, que, para fins de admissão do recurso especial interposto com fundamento na alínea "c" do Documento: 4302249 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 7 Superior Tribunal de Justiça
permissivo constitucional, pode ser realizada mediante a "reprodução de julgado disponível na internet" (art. 541, parágrafo único).
Na mesma toada de acompanhamento tecnológico, o art. 365, inc. IV, do CPC prevê que "as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal ", uma vez não impugnadas, fazem a mesma prova do original." ...
(...)

... A conseqüência apresentada é a de que "as formas devem ser
respeitadas somente nos limites em que são necessárias para atingir o seu
objetivo, ou seja, para absorver a sua função de garantia ou de objetividade:
onde não responderem a esta função, podem ser transgredidas
"...
(destacamos e grifamos)
Recomendamos a leitura do relatório, da lavra da eminente relatora, Min. Nancy Andrigui, que merece ser detidamente estudado, pela riqueza de fundamentos.

11 de dez. de 2008

AINDA SOBRE CATEGORIZAÇÃO E O ATO DE "DEFENSORAR" - FORTALECIMENTO DA TESE POR DECISÃO DE MIN. DO STF, NA ADI 3643

O Min. Ricardo Lewandowski, ao votar, em 08-11-2006, no julgamento da ADI 3643/STF (fundo especial da DP-RJ), pronunciou-se sobre diferença entre a intenção do constituinte quando fala do papel do defensor e do advogado, diferenciando-os nos respectivos dispositivos constitucionais, fazendo-nos crer que resta fortalecida - pelo entendimento do prestigioso ministro do STF - a tese que esposamos há anos no artigo que escrevemos e publicamos em livros e que logo abaixo, neste blog, reproduzimos, intitulado CATEGORIZAÇÃO - UM ENSAIO SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA.
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O voto em comento pode ser consultado na íntegra, no próprio site do STF, constando no mesmo, ás fls. 163/164, o trecho que aqui destacamos, in verbis:
... "há uma diferença muito interessante entre o que diz o artigo 134 e o 133 da Carta Magna.
O artigo 134 diz:
"A Defensoria Pública é" - ou constitui - "instituição essencial à função jurisdicional" (...)
Portanto, integra-se ao aparato da prestação jurisdicional, sendo quase um órgão do Poder Judiciário. Não avanço tanto, mas integra, sem dúvida, esse aparato.

E o artigo 133, quando fala do advogado, não usa essa expressão, mas diz:

"O advogado é indispensável à administração da justiça" (...)
Embora ele faça parte do tripé, no qual se asenta a prestação jurisdiconal, ele se aparta um pouco desta categoria especial, desse status especial, que se dá à Defensoria Pública.Por essas razões, acompanho integralmente o eminente Relator, julgando improcedente a ação."
(nossos os grifos e destaques)
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Importantes tais registros, pois assim vai se consolidando a categorização da defensoria pública e até mesmo, é crível, o atuar do defensor público num status próprio, altaneiro e exclusivo, permitindo-nos não o tratar no gênero advogado - já que próprio dos inscritos na OAB, como tratado na tese antes referida - e por isso, num neologismo, ousamos chamá-lo de DEFENSORAR no artigo citado e há anos publicado. Novos avanços normativos virão, certamente, o que pode incluir um 5o constitucional próprio nos Tribunais, para os Defensores Públicos.

CATEGORIZAÇÃO E "DEFENSORAR"

CATEGORIZAÇÃO E O ATO DE "DEFENSORAR"
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Reproduzo, aqui, tal qual o original, artigo que elaborei e que foi publicado, em idos de 2004 em (1) coletânea intitulada "ACESSO À JUSTIÇA" - 2a Série, organizada por FÁBIO COSTA SOARES, publicada pela ed. Lumen Juris (páginas 389/400) e (2) na "REVISTA DE DIREITO DA DEFENSORIA PÚBLICA" (RJ), n. 19, publicada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (páginas 365/376 - abril de 2004).
Deve, portanto, este trabalho ser visto em seu contexto histórico.


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(“ CATEGORIZAÇÃO “ :
UM ENSAIO SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA)




ROGÉRIO DOS REIS DEVISATE,




1. INTRODUÇÃO




Talvez alguns estranhem o título e sinto-me na obrigação de dizer que ele nada tem de pretensioso.


“Categorização”, como expressão do vernáculo, leva-nos, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed., 32ª impressão, ed. Nova Fronteira, p. 369) a pensar na “ação ou efeito de categorizar”, ou seja, no ato de dispor em categorias ou de classificar. Já Antenor Nascentes (in Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, p. 104) ensina que “categoria” advém do grego Kategoria, atributo, pelo latim categoria. Obrigamo-nos, portanto, a pensar em identificar atributos próprios alvitrando uma divisão peculiar acerca do objeto do nosso raciocínio.


E, já de antemão, que fique claro que não é nosso objetivo sequer pensar em chegar perto de uma divisão sistemática das instituições chamadas “ carreiras jurídicas”. Todavia, longe de ser a conclusão de uma idéia, estas linhas apenas alvitram fazer-nos refletir sobre uma necessidade, digamos, de certa forma semântica, de se abordar um fenômeno, com certo exercício filosófico a seu respeito, na medida em que busca-se, despretensiosamente, melhor compreender certa realidade, para ordenar o campo de pesquisa e limitar o foco de análise.




2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 , A ADVOCACIA PÚBLICA E A DEFENSORIA PÚBLICA




Qual é a posição jurídica do Defensor Público no universo dos que podem postular em Juízo? Este é o punctum saliens da idéia em apreço.


Alvitrando enquadrar o Defensor Público numa categoria de atores provocadores da Jurisdição, normalmente se o colocam - ou colocavam - na vertente dos Advogados e, dentre esses, mais particularmente, na dos “Advogados Públicos”. Corrente também, na doutrina, com luminar abordagem, a inclusão da Defensoria Pública dentre as chamadas “procuraturas”. Contudo, não é a tal universo de análise que pretendemos nos deter.


Destarte, urge considerar, já aqui, substancial diferenciação que o próprio texto constitucional se nos apresenta, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998 (resultado da PEC - Proposta de Emenda Constitucional nº 00173/1995 ), a partir da qual a expressão “advocacia pública”, referente à Sessão II, do Título IV, da Carta Magna, passa a referir-se à advocacia da União e às procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (artigo 131 e 132 da Carta de 1988, já considerado o que dispôs a comentada Emenda).


A propósito, talvez já aqui seja lugar de se destacar que, enquanto a OAB/SP, pioneiramente, criou uma “Comissão de Advocacia Pública”, a OAB/RJ melhor descortinou o tema, ao criar em 2001 a sua Comissão tendente a cuidar dos interesses daqueles inscritos na OAB e que atuem no âmbito de instituições públicas, chamando-a de “Comissão de Defensores, Procuradores e Advogados Públicos”. Mas, daquela breve diferença nos nomes das similares comissões da OAB/SP e da OAB/RJ já, aí mesmo, ao ouvido mais atento, se tem uma sutil introdução da idéia que parece nos ter influenciado e de algum modo nos provocado a escrever este ensaio, embora, a nossa motivação primária seja contemporânea à edição da Emenda nº 19/98, porquanto a partir daí, expressamente, a nosso ver, de alguma forma o legislador acabou por destacar a “advocacia pública” e, do modo como o fez, creio passe a ter lugar a lógica reflexão que se segue.


Notemos que o texto da Carta Política de 1988 (anterior à Emenda Constitucional nº 19/98), no que diz respeito às “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV), assim se nos apresentava, verbis:


 Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);


 Seção II – Da Advocacia-Geral da União (artigos 131/132);


 Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque 135).


Daí, ora urge vejamos como, após a Emenda Constitucional nº 19/98, na Constituição Federal de 1988, passam a se situar as “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV), verbis:


 Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);


 Seção II – Da Advocacia Pública (artigos 131 e 132);


 Seção III – da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque 135).


Com isso, a Defensoria Pública não mais pode desde então ser incluída, mesmo em linguajar não técnico, no rol dos “Advogados Públicos”, o que para alguns pode pouco significar, mas o que, no nosso sentir, salvo melhor juízo, muito passa a representar para a consolidação da Instituição em âmbito nacional, por meio de uma melhor compreensão do seu verdadeiro alcance e espaço jurídico-político.


Ora, reflitamos: se a Constituição Federal, após a suso referida Emenda Constitucional, ao utilizar-se da expressão “Advocacia Pública” apenas contemplou a Advocacia da União (CF, artigo 131) e as Procuradorias dos Estados e dos Distrito Federal (CF, artigo 132) e se, além desses são também remunerados pelos cofres públicos os membros do Ministério Público (CF, artigos 127 a 130) e os da Defensoria Pública (CF, artigo 134), como na verdade dever-se-ia considerar tal contexto?


Pois bem, com o Advento da Emenda nº 19/98, nas chamadas “funções essenciais à justiça”, temos os seguintes segmentos:




1 - Ministério Público (CF, artigos 127/130);


2 - Advogados -----) profissionais liberais (CF, artigo 133);


-----) advogados públicos (CF, artigos 131/132);


3 - Defensores Públicos (CF, artigo 134).




Daí temos que os integrantes de tais segmentos compõem o universo daqueles que têm a capacidade para estar em Juízo, provocando a jurisdição, ressalvado os casos de competência dos juizados especiais e os habeas corpus, os quais permitem que o próprio interessado provoque a jurisdição.


Com isso, embora situada no mesmo espaço na Carta de 1988 (artigo 134), os Defensores Públicos, quando integrantes de Instituição que funcione segundo os ditames da Lei Complementar Federal nº 80/94 e das regras Estaduais pertinentes acabam saindo do universo que, na doutrina e nas discussões acadêmicas, envolvia um gênero até então chamado de “advocacia pública” para um espaço próprio, ímpar, exclusivo, ou seja, passam a ocupar, com a sua atuação, com o seu munus constitucional peculiar, o seu lugar incomunicável a qualquer outro seguimento, qual seja, aquele imanente à instituição a que pertencem: a Defensoria Pública !


No mesmo sentido, portanto, o atuar de cada Defensor Público não poderia ser visto como um ato de “advogar”, embora em parte a tal conduta de assemelhe, merecendo ser tratado como um “ato de Defensoria Pública”, ou, num neologismo, naturalmente sempre estranho a primeira impressão, que poderíamos ousar chamar de um ato de “defensorar”... Sim, pois os advogados (profissionais liberais ou da advocacia pública) naturalmente são aqueles que “advogam”, os promotores “oficiam” ou “promovem” e os defensores públicos praticariam um “ato de Defensoria pública” - pensamos ousadamente: “defensoram”! Mas, seja qual for a expressão que melhor venha a definir o universo do atuar do Defensor Público, penso que a lógica das idéias aqui versadas exigiriam a adoção de uma expressão que, fosse qual fosse, tivesse a “marca” da Defensoria Pública, garantindo uma exclusiva identidade na atuação dos seus membros.


E, no caso da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, particularmente, vista como paradigma nacional, a questão cresce muito em relevância, uma vez que a Instituição possui autonomia administrativa, financeira e orçamentária, tendo o Defensor Público Geral do Estado mandato de 04 (quatro) anos, após eleição em lista tríplice e nomeação pelo Chefe do Executivo, cabendo-lhe, exclusivamente, a prerrogativa de nomear, promover, exonerar e aposentar os Defensores Públicos, de tratar dos procedimentos licitatórios, de abrir concursos públicos, etc (aliás, cabe aqui lembrar que tal status está se reproduzindo em outros Estados da Federação).


Assim, acaba sendo lógico e natural que se tenha em mente que a Defensoria Pública pós Emenda Constitucional nº 19/98 acaba se assemelhando, agora, mais do que nunca, sob certo prisma, ao Ministério Público (e, como corolário, se distanciando cada vez mais do gênero “advocacia”, mais particularmente da chamada “advocacia pública”), reclamando e, na verdade, devendo ocupar um seu lugar próprio e peculiar no universo dos seguimentos provocadores da jurisdição.




3. O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 E A ATUAÇÃO PRÁTICA DO DEFENSOR PÚBLICO


Inicialmente, convém lembrar que a norma que nacionalmente rege a Defensoria Pública é a Lei Complementar (Federal) nº 80, de 12 de janeiro de 1994, sendo também oportuno registrar que a norma que nacionalmente rege a Advocacia é a Lei (Ordinária Federal) nº 8.906, de 04 de julho de 1994.


Até aqui, embora haja várias respeitáveis opiniões em mais de um sentido, temos a vinculação dos Defensores Públicos à OAB, também segundo um entendimento de que os Defensores Públicos, no seu atuar, praticariam “ato de advocacia”, como, aliás, consta dos artigos 1º, artigo 3º, parágrafo 1º c/c artigo 4º, do já antes referida Lei nº 8.906/94.


Convém, contudo, agora lembrar que o artigo 1º antes referido diz que são “atividades privativas da advocacia” (1) “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” e (2) “as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”, que o parágrafo 1º, do artigo 3º, diz que os integrantes da Defensoria Pública “exercem atividade de advocacia” e que o artigo 4º diz que “são nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas”..


Já aqui cabem ser destacados dois (02) pontos:


- 1º. - atividade privativa não significa atividade exclusiva;


- 2º - como consta do artigo 5º , caput, da mesma norma, “o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato”.


Ora, com isso pode-se pensar que a postulação a qualquer órgão do Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas seriam privativas, mas não exclusivas dos advogados, o que se colore com o argumento de que o advogado haverá de postular, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato (Lei nº 8.906/94, artigo 5º), sendo a “procuração” o instrumento deste, constando, inclusive, no parágrafo 2º, do mesmo artigo 5º, a expressa referência ao fato de que a procuração para o foro em geral habilita “o advogado” para todos os atos judiciais, constando apenas, no parágrafo 1º do mesmo artigo, como exceção para a imprescindibilidade da exigência da procuração, os casos de urgência (e mesmo assim fica “o advogado” obrigado a apresentar a procuração no prazo de quinze dias, prorrogável por período idêntico).


Qual a razão desse destaque? Simples, o Defensor Público postula a qualquer órgão do Judiciário e também emite pareceres e exerce atividades de consultoria e não se utiliza de procuração em suas atividades cotidianas, pois exerce o seu munus com a simples investidura no cargo.


Observemos, ainda, que tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública, dentro dos naturais misteres inerentes a cada Instituição (seja na defesa da sociedade ou na defesa de interesses individuais), lutam pela defesa da “dignidade da pessoa humana” (Constituição Federal, artigo 1º, III), alvitrando muito contribuir para a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (Constituição Federal, artigo 3º, I), para a erradicação da pobreza e da marginalização e para reduzir desigualdades, promovendo o bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, artigo 3º, III e IV), sendo ainda pertinentes outras normas programáticas e outros preceitos constitucionais e legais que ora aqui não mencionaremos, por fugirem ao objetivo imediato do tema em análise... Notemos, contudo, ainda, que a Defensoria Pública vem se colocando à frente de outras questões, na defesa de interesses metaindividuais, dos quais também sejam titulares hipossuficientes, como exemplificam muito bem as relações de consumo.


Aliás, para os que possam estranhar ab initio tal rumo de idéias e apenas para argumentar, cabe lembrar e sem mais detida análise, que o Ministério Público também provoca a jurisdição, postulando e exercendo o seu munus sem mandato...
Haveria quem pensasse se não praticariam “atos de advocacia” os membros do Ministério Público quando atuam, particularmente fora das ações criminais, como, verbi gratia, nas Ações Civis Públicas e na defesa do meio ambiente, etc ? Afinal de contas, ouve-se, advogar é postular, é provocar a jurisdição...E não consta haja a respeito qualquer idéia de se os submeter, para tal espectro de atuações, ao regime da OAB (na verdade a origem para tais atribuições está na Carta Política de 1988 e nas demais normas de regência da matéria) !


Podemos, assim, perceber que a matéria é mais sensível do que a princípio possa parecer aos que tenham menos familiaridade com as sutilezas presentes no seu contexto.


Merece, também, ímpar destaque, o fato de que a Lei Complementar (Federal) nº 80/94 (bem como a Lei Complementar Estadual nº 06/77, do Estado do Rio de Janeiro), que dentre outras normas jurídicas regem a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em nenhum momento exigem para a atuação do Defensor Público ou para o ingresso na carreira a inscrição nos quadros da OAB ! A propósito, o artigo 26, §2º, daquela norma federal complementar o faz quando trata da Defensoria Pública da União.


Notemos que há exigência para a comprovação da qualidade de bacharel em Direito e da prática forense, esta quando possível, pois, inclusive, do contrário, ficariam impedidos de prestar concurso todos aqueles que têm incompatibilidade para a advocacia, como expressa o artigo 28, da Lei nº 8.906/94 (como, por exemplo, os militares de qualquer natureza, na ativa, os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza, os chefes do Executivo, etc).




4. SOMENTE LEI COMPLEMENTAR PODE DISPOR SOBRE DEFENSORIA PÚBLICA E SOBRE O ATUAR DOS DEFENSORES PÚBLICOS


A Constituição Federal é clara ao estabelecer que somente Lei Complementar poderá dispor sobre a Defensoria Pública e sobre o atuar dos Defensores Públicos.


Até nesse ponto cresce em solidez o contexto das idéias até aqui suscitadas, vez que a Lei 8.906/94 (o Estatuto da OAB) tem status de lei ordinária (federal) e, portanto, sabidamente, mesmo sem nos debruçarmos longamente sobre o que consta da doutrina mais autorizada, não poderia dispor sobre a Defensoria Pública.


Observemos, atentamente, que a Lei Complementar (Federal) nº 80/94 não exige inscrição na OAB (salvo no artigo 26, § 2º, quando trata da Defensoria Pública da União)... então não poderia uma Lei Ordinária exigir que os Defensores Públicos mantivessem-se inscritos na prestigiosa OAB para exercer o seu munus! Defendemos, assim, s.m.j., que não poderia constar da Lei Ordinária Federal nº 8.906/94 qualquer disposição sobre inscrição dos Defensores Públicos nos quadros da OAB, notadamente para o exercício do munus próprio e exclusivo dos Defensores Públicos que nós, ousadamente, linhas acima, chamamos de “ato de Defensoria pública” ou ato de “defensorar’, o qual, sabemos todos, é efeito da investidura no cargo.


E, ainda nesta linha de raciocínio, será que não haveria uma inconstitucionalidade (progressiva) superveniente ou uma “revogação” dessas disposições da Lei Ordinária nº 8.906/94 em razão das antes já consideradas modificações introduzidas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/98, que exclui a Defensoria Pública do universo dos advogados (profissionais liberais e mesmo dos “advogados públicos”), segundo a visão sistêmica que apontamos linhas acima ? Para tanto, salvo melhor juízo, não seria necessária ADIN ou pronunciamento judicial, bastando não se aplicasse a cogitada respeitável lei ordinária para os Defensores Públicos.


A propósito, não seria demais dizer que a idéia contida no parágrafo anterior cresce em importância para os Defensores Públicos investidos na função após 12 de janeiro de 1994, quando editada a Lei Complementar (Federal) nº 80/94, pois os mesmos enfrentam ainda vedação para o exercício da advocacia privada (ou seja, fora das atribuições institucionais) - destaque-se que tal consideração fazemos aqui nos valemos ainda da idéia ainda hoje mais difundida, mas que neste ensaio ousadamente questionamos, ao entender que a atuação do Defensor Público não corresponde a ato de advogar, como já antes suscitado!) !


Ademais, talvez seja momento de lembrar que não exige a Constituição Federal inscrição na OAB para os Defensores Públicos, quando trata da Defensoria Pública, nem, tampouco, pós Emenda Constitucional nº 19/98, sequer adjetiva os Defensores Públicos como “Advogados Públicos”, o que reclama, a nosso ver e salvo melhor juízo, uma análise mais detida do que a que ora introduzimos, acerca da “categorização” da Defensoria Pública e do atuar dos Defensores Públicos.


5. OUTRAS NUANCES RELEVANTES


O Advogado em essência, seja integrante de um seguimento a que chamaremos “estatal” (ou “advogado público”) ou particular (profissional liberal, a serviço de particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas), carece de regular inscrição na OAB e atuará sempre condicionado a uma “procuração”, que é o instrumento do mandato correspondente ao alcance da sua “representação” dos interesses do mandante.


O Defensor Público não se serve de mandato, ou melhor, prescinde mesmo do mandato típico (materializado em procuração), vez que sua atuação decorre direta e automaticamente da investidura no cargo... seu “poder de atuação” tem assento constitucional e legal...


E, notemos, não havendo mandato, não há também substabelecimentos ou termos de renúncia de mandato, ou a possibilidade de “revogação” de mandato por parte do seu “cliente” (assistido).


Ademais, o Defensor Publico integra uma instituição que obedece, pelo próprio princípio constitucional da impessoalidade, à “teoria do Defensor Natural”, assemelhada à teoria do “Juiz Natural”, sendo, portanto, proibido ao interessado escolher o Defensor que gostaria que o defendesse como também não lhe é permitido escolher o Juiz que gostaria que o julgasse. Ora, a impossibilidade de “escolha” do seu “mandatário” também se choca com um dos atributos basilares da relação cliente/advogado... portanto, também aqui muito acaba por diferir a essência da postura do Defensor Público perante o seu “cliente/assistido”... este não tem “o seu Defensor” mas a seu dispor toda uma estrutura “institucional” da qual o Defensor é um integrante... por isso a causa em questão está afeta, por exemplo, ao Defensor em atuação na 1ª vara X de dada Comarca e não ao Defensor Público Y ou Z... do mesmo modo que a questão será julgada pelo Magistrado da 1ª Vara X e não pelo Juiz Y ou Z.


Com isso, é crível, estamos diante de uma nova realidade diante do universo daqueles que tem a capacidade de provocar a atividade jurisdicional.


A propósito, pensemos, quem pode postular? Os Advogados (de qualquer das modalidades, aí incluídos os Advogados Públicos), os membros do Ministério Público e os Defensores Públicos. Sim, são estes e apenas estes aqueles que tem capacidade de postular em Juízo, como já antes aqui considerado... excluindo-se, naturalmente, como já dissemos, o habeas corpus e questões de competência dos juizados especiais...


Vejo, assim, smj., que há mesmo a necessidade técnica dessa análise sistêmica, dentre aqueles que tem a capacidade postulatória, a fim de se definir os atributos da figura do Defensor Público, como um ente próprio, em origem e em parte “assemelhado” ao advogado, mas deste, hoje, em essência e roupagem normativa, muito distante.


Ora, se é assim, pensemos, como seria tratada a situação, por exemplo, de um bacharel em Direito que, porventura, como funcionário público e que, portanto, pelo Estatuto da OAB, não pode possuir inscrição na OAB, presta concurso e é empossado como Defensor Público, numa instituição perfeitamente estruturada nos moldes da Lei Complementar Federal nº 80/94, com autonomia administrativa, financeira e orçamentária, com Corregedoria própria, com o Defensor Público Geral com prerrogativa exclusiva para nomear, promover, aposentar, exonerar os Defensores Públicos, etc. Teria o recém empossado de se inscrever nos quadros da OAB, ou teria de fazê-lo para tomar posse? Ou ficariam impedidos de fazer concursos para a Defensoria Pública, a Magistratura, o Ministério Público, os serventuários da justiça, os Delegados de Polícia, os Oficiais da Polícia Militar, e tantos outros importantes servidores públicos (por exemplo, segundo o que dizem os incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, do artigo 28, da Lei nº 8.906/94) que, embora bacharéis em Direito, jamais puderam, pelos Estatutos da OAB, se inscrever nos seus quadros? Acaso um policial ou um gerente de instituição bancária (artigo 28 citado, incisos VI e VIII) não pode prestar concurso ou ser empossado na Defensoria Pública, para atuar como Defensor Público, por não estar inscrito na OAB?


Já é hora, pensamos, de se refletir acerca do tema Defensoria Pública, pois somente em sede constitucional a Instituição já é tratada há quase quinze (15) anos (é... a Constituição Federal data de 1988...!)... e se o progresso é grande em tão pouco tempo, ainda muito pode ser feito (e será!).


Penso, assim, que o Defensor Público investido na função após o advento da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, está em condições de exercer o seu munus sem a obrigatoriedade de estar inscrito na OAB, exatamente pelo fato de se submeter a um regime próprio e por sequer poder ser tratado como “advogado público” após a Emenda Constitucional nº 19/98, além do que entendo sustentável o entendimento de que certos preceitos da Lei 8.906 (os que correspondem a legislar sobre Defensores Públicos) acabam sendo inconstitucionais em face do advento da nova redação da Carta Política de 1988 (que acaba conferindo aos Defensores Públicos um status próprio, excluindo-os do gênero advocacia e, particularmente, da advocacia pública), com as modificações introduzidas por aquela mesma Emenda Constitucional, isso sem falar que defendo, também, o posicionamento de que somente Lei Complementar pode dispor sobre Defensoria Pública e sobre os Defensores Públicos, como quer a Constituição Cidadã de Ulisses Guimarães (...e o Estatuto da OAB é uma lei ordinária!).


Enfim, guardadas as proporções e os misteres inerentes a cada um, o Defensor Público provoca a jurisdição tanto quanto o Promotor de Justiça, não sendo, portanto, monopólio dos Advogados ou dos Advogados Públicos o ato de provocar a jurisdição. Paralelo a tal verdade, temos que a Lei (Ordinária) nº 8906 (Estatuto da Advocacia), de 04 de julho de 1994, tem status inferior ao da Lei Complementar Federal nº 80/94, sendo crível que podemos ainda melhor perceber que tratam de atividades assemelhadas, mas em essência distintas, cada uma sujeita a um regime constitucional e legal próprio.


Outrossim, como ficariam ainda o disposto no artigo 22, caput, e no artigo 23, do Estatuto da Advocacia, vez que é defeso ao Defensor Público receber honorários, verbas de sucumbência ou qualquer outra remuneração pelo seu serviço público senão os vencimentos a que por Lei faz jus? Ainda a propósito, como ficaria o caput do mesmo artigo 5º suso referido quando cotejado com o artigo 3º, § 1º, da mesma norma, vez que este último “inclui” os Defensores Públicos dentre aqueles que exercem “advocacia”?


Sim, de fato, é sustentável, independentemente doutros elevados temas tratados pela Emenda Constitucional nº 19/98, esta culminou também (de forma objetiva e concreta ou mediata, não importa) por atribuir e corrigir uma questão que urgia fosse devidamente tratada, qual seja, a de que a atuação do Defensor Público não tem as características da atuação do Advogado Público e, se é assim, sendo também verdade que o regime da Defensoria Pública não nos permite mais confundir a atuação do Defensor Público com a de um Advogado Público, fica então passível de ser construída a conclusão de que o Defensor Público não pratica ato de advocacia, mas ato de Defensoria, não sendo “Advogado Público” mas “advogado” da “causa do público hipossuficiente”, não estando mais, s.m.j., em situação fática a comportar submissão do seu cotidiano profissional de dedicação exclusiva à Defensoria Pública ao regime da OAB, até pelo fato de que este Defensor Público, como dito, poderá (em tese) ter sido empossado e nunca ter pertencido aos quadros da OAB!


Com isso, não fica difícil sustentar que o Defensor Público, ao atuar, não pratica modalidade de “advocacia”, nem mesmo de “advocacia pública”, mas um ato próprio e de uma modalidade que somente ele, Defensor Público, poderá praticar, qual seja, aquele a que ora nos permitimos sustentar hoje como um “ato de Defensoria Pública ”, como “advogado” da “causa do público hipossuficiente”... estando a expressão “advogado” aqui empregada da forma mais genérica possível., intercedendo na esfera jurídica a favor dos hipossuficientes...


E, em razão disso entendemos que este estudo tem lugar, por mais que despretensioso seja, alvitrando apenas, só e tão-somente, argumentar criticamente, mas sem esgotar o assunto, temas tão sutis e relevantes, de modo que possa vir a ser tratada a atuação do Defensor Público como um ato de uma categoria própria, com nuances próprias e por defendermos que “justiça gratuita não é favor, é direito”.


Dezembro/2002---------------------------------------------------------------------------------------------------------
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




MORAES, Humberto Peña e José Fontenelle Teixeira da Silva (in “Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado”, 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Liber Juris, 1984).


DEVISATE, Rogério dos Reis – “Acesso à Justiça – Problema de Essência: A Defensoria Pública como a Solução Constitucional para os Hipossuficientes” (“Tese Aprovada à unanimidade no V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública”, evento realizado pela OAB / SP e pelo IBAP, de 14 a 17 de junho de 2001, e publicada no livro “Acesso à Justiça”, ed. Lumen Juris, 2002, organizado por Raphael A. Sofiati de Queiroz, p. 263/290 e no livro “Desafios Éticos da Advocacia Pública”, ed. ADCOAS, 2002, organizado por Guilherme José Purvin de Figueiredo, p. 299/321).


DEVISATE, Rogério dos Reis - “A Defensoria Pública e a Globalização do Empobrecimento” (Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, nº 16, julho de 2.000, editada pelo nosso Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro)


Lei Complementar Federal nº 80/94;


Lei Ordinária Federal nº 8.906/94,


Constituição Federal de 1988


PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 00173/1995 (transformada na Emenda Constitucional nº 19/98)


Emenda Constitucional nº 19/98


Constituição do Estado do Rio de Janeiro


Lei Complementar (RJ) nº 06/77


Lei Complementar (RJ) nº 95/2000

ACESSO À JUSTIÇA - PROBLEMA DE ESSÊNCIA: A DEFENSORIA PÚBLICA COMO A SOLUÇÃO CONSTITUCIONAL PARA OS HIPOSSUFICIENTES

* TESE APROVADA À UNANIMIDADE NO V CONGRESSO BRASILEIRO DE ADVOCACIA PÚBLICA, realizado em Amparo - SP, de 14 a 17 de junho de 2001, promovido pela OAB-SP e pelo IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.
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O trabalho aqui reproduzido corresponde à tese aprovada no congresso suso referido e publicada nos livros: (1) "DESAFIOS ÉTICOS DA ADVOCACIA PÚBLICA", organizado por Guilherme José Purvin de FIgueiredo e publicada pela ADCOAS e IBAP, em idos de 2002 (páginas 299/321) e na coletânea (2) "ACESSO À JUSTIÇA", coordenada por Raphael Augusto Sofiati de Queiroz, ed. pela Lumen Juris em idos de 2002 (páginas 263/290).
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Deve, portanto, este trabalho ser visto em seu contexto histórico.

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“ ACESSO À JUSTIÇA - PROBLEMA DE ESSÊNCIA : A DEFENSORIA PÚBLICA COMO A SOLUÇÃO CONSTITUCIONAL PARA OS HIPOSSUFICIENTES “


I - INTRODUÇÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA.

Consta que a defesa é um dos sustentáculos da justiça, vez que esta, para se realizar com os ideais atributos que a caracterizam e formam, há de resultar de um processo justo ritualisticamente, no qual à ambas as partes formalmente tenham sido concedidas idênticas oportunidades de manifestação de pensamento, na defesa das suas teses (tese x antítese = síntese).

Contudo, bem sabemos que o discurso tradicional não se nos permite encarar os feitos judiciais como espaço onde, de forma concreta e solene, ficam patentes mecanismos de sujeição e opressão, de anseios individuais ou coletivos por liberdade ou respeito a certos dogmas elementares em franco cotejo com manifestações de pura repressão, de luta do menos favorecido por uma sua causa apenas vista como “pequena” aos olhos do mais abastado, de fatos que não são apurados, de verdades que às vezes se tornam mentiras e de mentiras que às vezes se tornam verdades... Nalgumas oportunidades, até, o processo é uma ampla e complexa vitrine que se presta a expor - aos olhos atentos - enormes e viscerais contradições jurídico-políticas, numa demonstração de uma verdadeira luta de classes, rica em flexíveis tolerâncias para uns e de intolerâncias exemplificadas em rigidez legal absoluta para outros... de dilemas entre inocências, culpas e provas.

A propósito, convém transcrever, já, pequeno trecho do que, com ímpar sabedoria, escreveu também sobre verdades e mentiras o festejado autor José Saramago (in “A Bagagem do Viajante”, ed. Companhia das Letras, 1986, ed. Schwarcz Ltda, p. 49), levando-nos à reflexão sobre as complexidades das relações humanas, verbis: “Ao contrário do que afirmam os ingênuos (todos o somos uma vez por outra), não basta dizer a verdade. De pouco ela servirá ao trato das pessoas se não for crível, e talvez até devesse ser essa a sua primeira qualidade. A verdade é apenas meio caminho, a outra metade chama-se credibilidade. Por isso há mentiras que passam por verdades, e verdades que são tidas por mentiras” (n.g.).

Todo direito, mesmo, em última análise, acaba por refletir determinada construção jurídico-política de uma dada sociedade em um certo momento, determinada verdade alçada à condição de essência pelos formadores de opinião.

Assim, junto com as letras que formam a mensagem expressa nos códigos e nos artigos de leis, há um propósito primário e em essência maior, que alvitra alcançar objetivos políticos deitados por detrás do texto legal. E, a respeito, nos convém sempre indagar qual sentido do texto em apreço é absorvido e ansiado pela sociedade.

Assim, é crível que, não sem outro propósito, quis o constituinte inserir, logo no artigo 1º, da Constituição Federal, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, elegendo, portanto, como fundamentos, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, incisos II e III).

Cidadania, a propósito, de forma singela, pode ser vista como o “direito a ter direitos”, muitos dos quais, para a esmagadora maioria da população brasileira, potencialmente hipossuficiente, entendemos assim, serão propiciados concretamente em face da existência da Defensoria Pública e dos mecanismos do acesso à justiça.

Mas há mais a ser dito, pois a cidadania está diretamente relacionada a sentimentos e conceitos mais profundos e se, afinal, todos são perante a lei iguais, como vaticina a Constituição de 1988, não poder-se-á mesmo admitir que fatores possam diferenciar/distinguir o homem-cidadão, como credo, raça, etc... ou a riqueza que possua... e, no caso do alto custo da justiça, seja para o Estado, seja para o cidadão, é de radical importância o conjunto de atributos e mecanismos relacionados ao acesso à justiça para o hipossuficiente, como a gratuidade de justiça e a possibilidade de buscar guarida junto à Defensoria Pública, sem o que não se poderá entender como pleno o exercício da cidadania, pois do que adiantaria ser titular de um direito se não se dispõe de meio para exercê-lo.

Percebamos, que quando falamos em acesso à justiça alvitra-se questionar o modelo de direito dos nossos dias de sorte a permitir possa ele evoluir de forma a tornar o direito e a justiça acessíveis aos cidadãos, reaproximando-os da sociedade civil, como um todo, pois, como bem disse o Prof. Ives Gandra da Silva Martins (in “A Cidadania e o Poder”, artigo publicado no livro “As Garantias do Cidadão na Justiça”, coordenador pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ed. Saraiva, p. 53), verbis: ...“não há direito sem garantia para ser exercitado”... (n.g.).

Sim, esta assertiva está correta e encerra séculos de história, permitindo-nos concluir, do cotejo entre as várias idéias a respeito, que o “direito de acesso à Justiça viabiliza os demais direitos”.

Ora, todas essas noções crescem em importância quando se observa, exclusivamente, a realidade brasileira, que é por demais cruel com uma gama mais do que significativa de brasileiros, muitas das vezes absolutamente alijados de qualquer meio de acesso aos mais mínimos aspectos da cotidiana vida econômico-político-social. Não por acaso, a propósito, nunca pareceu tão atual certa frase atribuída à Platão (República, IV, 1,420), verbis: “Não constituímos a polis visando a que uma classe se torne mais feliz do que as outras, mas para que feliz seja sobretudo, a cidade-estado”.

E, com propriedade, o ex-Defensor Público-Geral da União, Dr. Reinaldo Silva Coelho (in “Defensoria Pública e os Excluídos”, texto publicado nos Anais da XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil: Justiça: Realidade e Utopia; Brasília, OAB/Conselho Federal, 2.000, Volume I, página 332) transcreve o seguinte trecho (que vem nos falar alto também agora) do “Manifesto à Nação”, datado de 15 de junho de 1999 e publicado em diversos jornais do País, de autoria do Advogado Reginaldo Oscar de Castro, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB, verbis: Um país cuja Justiça não é acessível à maioria da população trai os ideais básicos da cidadania e do Estado Democrático de Direito. Lamentavelmente, é o que ainda ocorre no Brasil” (n.g.).

É nesse contexto, creio, s.m.j., que se deve pensar no acesso à justiça no nosso país, pois não é concebível que num chamado “Estado Democrático de Direito” se possa admitir que haja milhares, milhões de brasileiros que diariamente de alguma forma sejam atingidos em direitos seus (sejam de caráter material, sejam de caráter moral) e que não tenham a quem recorrer para a luta pelo seu direito...

Vale lembrar, só quem sentiu a dor de uma injustiça compreenderá o verdadeiro e elevado sentido e dimensão desses valores. E, não nos esqueçamos de que o destinatário dos nossos pensamentos é o homem, mormente aquele em desamparo, que sofre com a injustiça de que é (ou julga ser) vítima, razão pela qual urge lembrarmos de certa frase de Léon Bloy (citada por Celso Peçanha, ex-governador do antigo Estado do Rio de Janeiro, in “A Planície e o Horizonte”, 2ª ed., ed. Cromos, 1999, p. 136), verbis: ...“sofrer passa; ter sofrimento não passa nunca” (n.g.)

Em certa medida, vale lembrar aqui parte do pensamento de Spinoza (citado por Will Durant, in A História da Filosofia, tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva, editora Nova Cultural, 2.000, página 181), para quem, verbis: “Cada homem deva amar a si mesmo e procurar aquilo que lhe for útil.”

Com isso, não se faz, aqui ou acolá, apologia de qualquer sorte de revolução silenciosa ou de reflexos seus, como a desobediência civil, que a Dra. Maria Garcia, em profundo estudo, aponta como “atributo exclusivo da cidadania, reserva do cidadão diante do Estado” (in Desobediência Civil, Direito Fundamental, ed. RT, 1994, p. 276). O que ora se defende, simplesmente, é que o cidadão menos favorecido economicamente e que, no caso concreto, se enquadre no contexto do hipossuficiente, não pode ser eternamente visto como alguém que deva ser merecedor apenas dos benefícios dos serviços sociais que lhe possam prestar a sociedade, pois este não tem que ser humilde no que diz respeito à sua integridade física, intelectual ou moral, nem tampouco quanto ao que de patrimônio possua... urge, portanto, se lhe dê condições de ao menos acreditar que pode lutar pelo direito que creia possuir e, nesse caso, urge tenha ele ao seu alcance um veículo apropriado para essa luta, que outro não pode ser, no âmbito do Estado, senão a Defensoria Pública, que o ouvirá, orientará e defenderá, com apoio nas normas vigentes.

E aqui entra um ponto de pura filosofia, pois é fácil que todos creiam que a liberdade é essencialmente um atributo supremo, porém é difícil que na prática essa liberdade seja aceita ilimitadamente... E, se todos são iguais perante a lei, sem qualquer natureza de distinção, como pedra angular que sabemos possuir nosso Sistema, noutra ordem de idéias é possível perceber que se dá em tese a todos os mesmos direitos e as mesmas garantias de liberdade, etc... mas limitam-se esses atributos e o exercício dessas garantias supremas, de maneira formal, através de normas e regras com pertinência temática, graduações, títulos e diplomas, ou, em regra e silenciosamente, através de instrumentos informais porém amplamente eficazes, por meio de não concretização sistemática dos instrumentos e veículos formais e concretos no que diz respeito à tutela dessa liberdade... e, no que diz respeito ao tema em comento, diz-se que o cidadão tem plena liberdade e é essencialmente livre para agir e buscar as garantias de satisfação dos seus interesses, mas a sociedade, tal qual como organizada, cria, ainda que não seja essa a intenção, métodos de ensino inalcancáveis para todos, dificuldades de insersão no mercado de trabalho, etc... e ao mesmo tempo que a todos outorga direitos não permite que a grande maioria silenciosa da população brasileira tenha ao menos ciência de que os possua e que pode contar com a Defensoria Pública para a defesa dos seus direitos e interesses juridicamente tuteláveis, aliás, isso nos Estados onde há Defensoria Pública instituída segundo o que dizem as normas de regência da matéria, pois, como sabido, há entes federativos que até hoje não cumpriram a Constituição Federal nessa parte, não sendo demais dizer que também não basta criar e instrumentalizar a Defensoria Pública, pois é mister que o Estado e a sociedade organizada, formadora de opinião, informem a população do grande veículo que é a Defensoria Pública para a conformação do espírito de cidadania plena, em cada um dos brasileiros.

Não sem outra razão Hanna Arendt (in Entre o Passado e o Futuro, ed. Perspectiva, São Paulo, 1979, página 196) diz que, verbis:: ... “a condição de toda liberdade é a liberação do medo”... (n.g.)

E qual é esse medo? É o medo de enfrentar “o mais forte”, de ter de lutar contra o “mais poderoso, mais rico”, etc... é o que se houve cotidianamente dos menos favorecidos, de que “fulano” perdeu porque lutou contra alguém rico, uma grande empresa, etc... e de que não adianta fazer nada, de que “eu” também não terei êxito...ora, não é triste ter de pensar assim ?

Cremos, com apoio nos felizes pensamentos de Hanna Arendt, que o homem só é livre quando pode agir, no sentido de que ter liberdade e poder atuar são faces da mesma verdade. Complementa tal idéia a lição de José Horácio Meirelles Teixeira (in Curso de Direito Constitucional, ed. Forense, São Paulo, 1991, p. 672), verbis: “Liberdade é o direito de viver e de se desenvolver e exprimir nossa personalidade de maneira a mais completa, conforme as leis da Natureza e da Razão e a essencial dignidade da pessoa humana, no que for compatível com igual direito dos nossos semelhantes e com as necessidades e interesses do Bem Comum, mediante o adequado conjunto de permissões e de prestações positivas do Estado” (n.g.).

E, o derradeiro toque na formatação dessa idéia, com propriedade, nos chega por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, ed. Coimbra, 1984, p. 118/119), quando falam das garantias, dizendo, verbis: ...
”o direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer o reconhecimento dos meios processuais adequados a essa finalidade” (n.g.)

Por seu turno, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco (in Teoria Geral do Processo, 7ª ed., ed. Revista dos Tribunais) já se colocaram, com propriedade, no sentido de que, verbis: ...”o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em “acesso à ordem jurídica justa”... (obra cit, p. 35 – destacamos e grifamos)

Ao que acrescentam, verbis:

...”O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), “... (...) ...”a) a admissão ao processo (ingresso em juízo). É preciso eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento de defesa adequada. A oferta constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, inc. LXXIV) há de ser cumprida de tal modo, seja quanto ao juízo civil como criminal, de modo que ninguém fique privado de ser convenientemente ouvido pelo juiz, por falta de recursos”... (obra cit., fls. 36 – destacamos e grifamos).

Daí se pode facilmente perceber que quando se fala de acesso à justiça em verdade nos obrigamos a despertar dentro de nós elementos sutis e hábeis para atrair atributos para raciocínios muito mais amplos. Sim, pois a definição de acesso à justiça não é fácil... pois essa construção jurídica se transforma diariamente, uma vez que deve servir para apontar o meio pelo qual o cidadão pode lutar por seus direitos sob a tutela estatal... daí que todos, efetivamente, hão de ter à sua disposição meios que lhes assegure iguais condições de atuação, o que se flexibiliza por aspectos ligados à falta de informação, à problemas econômicos, culturais, à praxe de certos rincões do país onde ainda impera o “coronelismo”, que não quer mudança no status quo, onde ainda se cobram faturas por dívidas “de favor”, etc...

Notemos, ainda, que mesmo sem consciência do alcance de tal ato, muitas das vezes o fato de conseguir servir-se de mecanismos de acesso à justiça e/ou de exercício da cidadania se configura num gesto de alguém que assume o controle sobre o seu destino e faz valer a sua vontade, como um herói, um vencedor já naquele momento, na medida em que vence barreiras erigidas por uma sociedade que teme aquele que reputa inferior a si (dilema dominante x dominado)...

Fala alto, ainda hoje, o que prelecionava a respeito o pranteado Defensor Público Silvio Roberto Mello Moraes (in Princípios Institucionais da Defensoria Pública – Lei Complementar 80, de 12.01.94, anotada – São Paulo, Ed. RT, 1995, p. 17), verbis: ...”agem sorrateiramente, enfraquecendo e aviltando a Instituição que certamente mais lhes assusta, pois o seu papel transformador reduz o domínio que exercem sobre os desinformados e despreparados que, infelizmente, constituem a maior parte da nação brasileira.” (n.g.)

E, já que falamos em acesso à justiça, devemos também considerar -sem nos deixemos levar pelo entusiasmo e sem que nos percamos em longos e profundos caminhos filosóficos- tal plano numa dialética que foge aos objetivos dessas linhas, de sorte que ora podemos pensar em Justiça segundo construção romana, que nos chega por citação do grande Miguel Reale (in Lições Preliminares de Direito, 3ª ed., 1976, ed. Saraiva, p. 371), verbis: ...“contans ac perpetua voluntas unicuique suum tribuendi” (“vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”) –n.g.-


II - EXEMPLOS E EXPERIÊNCIA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Esse raciocínio encontra argumento no fato de que a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO atendeu, sozinha, apenas no ano de 2.000, a cerca de 1.429.000 (um milhão, quatrocentos e vinte e nove mil) pessoas, em todas as áreas do Direito, tais como Cível, Criminal, Família, Regularização Fundiária, Consumidores, etc.).

E, exatamente no que diz respeito ao contingente carcerário, milhares de presos foram atendidos pessoalmente, dentro dos estabelecimentos onde estão reclusos, por cerca de 40 (quarenta) Defensores Públicos destacados pela Chefia Institucional exatamente para tal desiderato (e o sucesso dessa empreitada fez com que também recentemente se criasse um Núcleo para atuação junto aos estabelecimentos que atendem aos menores infratores). E, certamente em parte, é crível que evento como esses que envolvem CARANDIRÚ (SP) não tenham ocorrido no Rio de Janeiro, onde há Defensoria Pública organizada conforme os ditames das normas de regência da matéria, notadamente o que estabelece, em âmbito federal, a Lei Complementar Federal nº 80/94 e atuando em todas as frentes.

E, segundo consta, se a Defensoria Pública atua em aproximadamente 2/3 (dois terços) dos processos em curso no Judiciário fluminense, tendo atendido a alguns milhões de cidadãos apenas nos anos mais recentes, qual será o seu papel nos anos vindouros, ante os resultados nefastos que o processo de globalização vem nos impondo? Note-se, a propósito, que alguns cidadãos egressos da chamada "classe média" já buscam a Defensoria Pública.

Aliás, vale a pena considerar já aqui alguns dados inerentes ao funcionamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que bem demonstram o acerto da vontade constitucional, ao optar pela Defensoria Pública (artigo 134, da Constituição Federal), e o disposto na Lei Complementar Federal nº 80/94, que o regulamenta:

(1) A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro atendeu apenas em 2.000, a cerca de 1.429.000 (um milhão, quatrocentos e vinte e nove mil) pessoas, em todas as Comarcas do Estado e em todas as áreas do Direito (criminal, cível, juizados especiais, família, sucessões, consumidores, regularização fundiária e de loteamentos, etc);

(2) A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conta, hoje, com 653 (seiscentos e cinqüenta e três) Defensores Públicos na ativa, divididos em 03 (três) categorias, Defensores Substitutos, Defensores Públicos e Defensores Públicos de Classe Especial (esses últimos atuam junto ao Tribunal de Justiça e aos Tribunais Superiores), possuindo a carreira, no Estado, hoje, 734 (setecentos e trinta e quatro) cargos no total, incluindo-se, aí, os novos 140 (cento e quarenta) criados pela Lei Complementar nº 95/2000, encontrando-se vagos, portanto, cerca de 181 (cento e oitenta e um) cargos, sendo que desses 103 (cento e três) deverão ser brevemente preenchidos, pois corresponde ao número de aprovados no último concurso público, já concluído, faltando apenas orientação a respeito da nomeação e posse por parte do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado;

(3) A Defensoria Pública, no Rio de Janeiro, integra a Chefia do Poder Executivo, contando o seu Chefe Institucional com o status e prerrogativas de Secretário de Estado, sendo que a sua autonomia administrativa ser redesenha e muito se fortaleceu com a edição da Emenda Constitucional à Carta Estadual nº 16/2000, que estabelece que o Defensor Público Geral deverá ser escolhido pelo Governador dentre aqueles integrantes da carreira que tenham sido eleitos para formação de “LISTA TRÍPLICE” para tal fim e, além disso, é o próprio Defensor Público Geral do Estado quem nomeia, promove, exonera e aposenta os Defensores Públicos, dispõe sobre férias e licenças, realiza concursos públicos para ingresso na carreira, dispõe sobre o pagamento do auxílio transporte e mudança, triênios, etc.;

(4) A Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro conta com sede própria, espaçoso prédio de 04 (quatro) andares, no centro do Rio de Janeiro, na Av. Marechal Câmara, nº 314, além de instalações em todos as Comarcas deste ente federativo, além de outros espaços, onde funcionam os Núcleos de Primeiro Atendimento (Cível e Família) e Núcleos Especializados (como, v.g., do Consumidor, do Idoso, de Terras e Habitação, de Regularização Fundiária, etc.);

(5) A Defensoria Pública no Rio de Janeiro destaca também cerca de 40 (quarenta) Defensores Públicos para atuação permanente dentro das unidades carcerárias, de sorte a atender aos direitos dos presos, o que em muito contribui para a manutenção da ordem no sistema prisional fluminense, não se tendo notícia de fatos no Estado do Rio de Janeiro como os que vem se repetindo em Carandirú – São Paulo (onde sucessivos Governos Estaduais não observaram o mandamento constitucional e a Lei Complementar Federal nº 80/94, pois até hoje não se instalou a Defensoria Pública no Estado de São Paulo) e, mais recentemente, dentro do DEGASE (instituição destinada aos menores infratores).

Note-se que hoje já se vislumbra o descortinar de um novo horizonte pela frente apenas em face da efetiva autonomia administrativa para a Defensoria Pública fluminense advinda das suso ditas normas recém editadas em Dezembro de 2.000..


III - A DEFENSORIA PÚBLICA NA VISÃO DOS REPRESENTANTES DO POVO - SESSÃO PLENÁRIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (BRASÍLIA – DF) EM 1º DE JUNHO DE 2.000


E, para fortalecer os argumentos em prol do acerto do constituinte e da inquestionável grande importância da Defensoria Pública para a democracia e a cidadania, vez que vocacionada para viabilizar o acesso à justiça aos hipossuficientes, aliás, a esmagadora maioria da população brasileira,, vale dizer que em 1º de junho de 2.000, no Plenário da Câmara dos Deputados Federais, em Brasília, ocorreu inesquecível Sessão de homenagem aos Defensores Públicos do país, ocasião em que vimos 412 (quatrocentos e doze) parlamentares discursando sobre a importância reconhecida da Instituição, como hábil instrumento que é para o fortalecimento da democracia e da cidadania.

Dos valiosos discursos então proferidos por várias das maiores vozes da nossa Câmara Federal, permitimo-nos ora transcrever alguns pequenos trechos (com extrema dificuldade pinçados) das belíssimas peças oratórias, apenas em função do propósito deste despretensioso trabalho, os quais foram coligidos diretamente do teor do Ofício Circular CONDEGE nº 01, de 05 de setembro de 2.000, enviado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais – CONDEGE a todos os Dirigentes de Defensorias Públicas do País, bem como da fonte primária, qual seja, o corpo das Notas Taquigráficas daquela histórica Sessão, verbis:

(1) ...”A Defensoria Pública é a grande via para o resgate da dívida social brasileira. A sua vocação natural e constante para pobreza, faz dela o grande serviço público do próximo milênio. Temos de nos convencer que a Defensoria Pública é investimento e não gasto.” ... (Deputado Federal DINO FERNANDES - PSDB/RJ);

(2) ...”pelo engrandecimento da Defensoria Pública no Brasil como instituição forte do Estado na área social, que atuará por meio de seus agentes políticos - os defensores públicos - na promoção da paz social, visto que onde e quando a Justiça é democratizada a paz social se viabiliza e se sustenta”... (...) ...”Que outras conquistas venham não apenas em defesa dos interesses dos defensores públicos, mas também em defesa daqueles que não sobreviverão sem uma Defensoria forte, autônoma, com independência financeira, orçamentária e administrativa”. (Deputado Federal AÉCIO NEVES - PSDB/MG);

(3) ...”No início da saudação, não cumprimentei os defensores públicos de São Paulo. Quero dizer aos senhores o que disse ao Dr. Roberto de Freitas, digníssimo Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos. Fui Governador de São Paulo, de 1991 a 1994. Acreditava eu - digo isso aos senhores com a maior franqueza e fui convencido pela minha assessoria-, que a Procuradoria de Assistência Judiciária existente no meu Estado, que presta relevantes serviços, poderia suprir a falta da Defensoria Pública. Não tenho a felicidade que teve o meu companheiro Alceu Collares que pôde chegar aqui e dizer que implantou a Defensoria Pública no seu Estado quando Governador. Como disse ao Dr. Roberto e repito aos senhores, a minha visão se modificou completamente.”... (...) ...”É que gostaria de prestar este depoimento que considero importante para os defensores públicos de todo o Brasil e fazer o mea culpa perante todos eles.”... (...) ...”E dizer que os Defensores Públicos da Região dos Lagos e de todo o Estado do Rio de Janeiro estão comemorando em relação ao atendimento de 1 milhão e 200 mil pessoas no ano passado. Esse assunto deve ser trazido à colação dos senhores, pois com apenas quinhentos defensores públicos foram atendidas, repito, 1 milhão e 200 mil pessoas. Espero que possa saldar a dívida que tenho com os defensores públicos de todo o País, empenhando-me no meu Estado para a instalação da Defensoria Pública de São Paulo”... (Deputado Federal LUIZ ANTONIO FLEURY - PPB/RO);

(4) ...”homenagear o Defensor Público, figura importante e imprescindível para que o conceito de democracia tenha capilaridade e atinja todas as camadas sociais, garantia do acesso do pobre à Justiça, em todos os níveis”... (...) ...”80% da população brasileira não tem acesso à Justiça e muito menos à assistência extrajudicial. Há, portanto, uma legião de excluídos de qualquer assistência judiciária, necessitados de uma Defensoria bem-estruturada, ágil e moderna. Um País cuja Justiça não é acessível à maioria da população trai os conceitos básicos de cidadania e do Estado Democrático de Direito. Lamentavelmente é o que ainda ocorre no Brasil. Independência financeira e administrativa das Defensorias Públicas nos Estados, passo essencial para o seu fortalecimento. A eficiência desse serviço e sua importância junto à comunidade se mede por dois resultados: no Ceará, a Defensoria Pública promove 90% dos feitos de família, 90% dos feitos criminais e 80% dos feitos cíveis; a Defensoria Pública do Rio de Janeiro já recebeu prêmios internacionais por seu atendimento de mais de um milhão de pessoas por ano. É impossível solicitar paciência ao povo. A gente humilde precisa conhecer seus direitos e exercer na plenitude a sua cidadania.”... (Deputado Federal PAULO OCTÁVIO - PFL/DF);

(5) ...”Justiça sem defensor público é uma Justiça capenga”... (Deputado Federal WALDEMIR MOKA - PMDB/MS);

(6) ..”Onde a Defensoria Pública não existe, os direitos não estão garantidos” ... “Esta Casa tem que tratar dessa matéria seriamente, formar uma Comissão Especial para ouvir e tomar para si nossa responsabilidade: legislar de forma a não só dar independência, mas qualidade de atendimento ao cidadão brasileiro. Isso só se faz na Justiça através da Defensoria Pública”...(Deputada Federal LAURA CARNEIRO - PFL/RJ);

(7) ... “Lamentavelmente, nobres colegas, seis anos após a promulgação da Lei Complementar nº 80, ainda há quatorze Estados da Federação que jamais realizaram concursos para compor os quadros de sua Defensoria.” (Deputado Federal IÉDIO ROSA - PMDB/RJ);

(8) ...”E não teríamos a conceituação exata de cidadania se não tivéssemos instrumento adequado como é a Defensoria pública. Quero, neste instante, consignar meus aplausos e, sobretudo, minha admiração a essa competente categoria que tem prestado inequívocos serviços à causa da cidadania e ao próprio País.”...(Deputado Federal MAURO BENEVIDES - PMDB/CE);

(9) ...”A criação do quadro nos moldes do Ministério Público só será possível com a autonomia financeira da Instituição, pois é inaceitável que, às portas do Terceiro Milênio, o Estado-acusador se faça mais forte que o Estado-defensor”... (Deputado Federal JOÃO GRANDÃO - PT/MS);

(10) ...”Enquanto não tivermos uma Defensoria Pública com número expressivo de Defensores Públicos e a Instituição e cada um dos Defensores devidamente remunerados, equipados e municiados do meios materiais indispensáveis ao desenvolvimento de suas atividades, não poderemos reconhecer plenamente o Brasil como um Estado Democrático de Direito.” (Deputado Federal AGNELO QUEIROZ - PC do B - DF);

(11) ...”Tomara que tenha a exata dimensão da sua missão de desencavar a miséria e a pobreza, de levar ao Judiciário, que comece a fazer uma revolução na Nação, pacífica, ordeira, de mentalidades, visando a que os direitos sociais, que estão na Constituição Federal, sejam concretizados para que o homem e a mulher pobres e excluídos digam: que bom que eu nasci no Brasil.” ... (Deputado Federal ALCEU COLLARES - PDT/RS).


.Pode-se, então, vaticinar e, desde logo, perceber que a viabilidade da prestação jurisdicional nos próximos anos passará cada vez mais pela atuação da Defensoria Pública e, para tanto, esta deverá ser, desde logo, cada vez mais bem tratada pelo Estado, inclusive com autonomia financeira e mais cargos na carreira, para fazer frente à essa crescente demanda, pois é perceptível que sem que essa Instituição seja forte e engrandecida cotidianamente não se poderá realizar o acesso à justiça e/ou o acesso à ordem jurídica justa ou, noutras palavras: Justiça.

Que nesses novos tempos, nossos líderes e governantes olhem cada vez com mais seriedade o papel institucional e social da Defensoria Pública, para que se confira, nos mais ermos rincões do nosso País, efetividade à vontade constitucional, de levar à grande maioria da população brasileira a possibilidade concreta de acesso à Justiça, que traz consigo outros valores, como o fortalecimento da cidadania e da democracia, sem nos esquecermos da idéia de que, em sociedade, todos perdem quando um lado se enfraquece sobremaneira.

É crível, portanto, que grande será a importância que o sistema cometerá à Defensoria Pública nesse início de século, como instituição que muito poderá colaborar na formação de uma nova postura, quem sabe viável como alternativa político-jurídica, em prol da digna sobrevivência do povo brasileiro e da valorização do Brasil perante a comunidade internacional, como instrumento vivo do acesso à justiça.

Com isso, urge que todos os hipossuficientes possam usufruir da assistência jurídica integral e gratuita que a Defensoria Pública, vocacionada para tal mister, se incumbe de prestar à população.


IV – CONCLUSÃO:

IV.a - O ACESSO À JUSTIÇA PARA OS HIPOSSUFICIENTES E A DEFENSORIA PÚBLICA COMO O SEU VEÍCULO CONSTITUCIONAL.

Mas como dar ao hipossuficiente o que é seu, se ele tem ainda dificuldade de ter acesso à essa Justiça a qual, por essência e definição, compete lhe dar o que lhe cabe?

Não deve, assim, ser admitido que haja direito que não possa ser efetivamente exercitado e, é exatamente aí, no momento da luta pelo seu direito, e do acesso à justiça que deve o brasileiro hipossuficiente ter ao seu dispor a Defensoria Pública, segundo a vontade constituinte e com os predicados traçados pela Lei Complementar Federal nº 80/94.

Convém que se diga, já agora, que destacamos a Defensoria Pública, nesse tema sob estudo, pelo fato de que o sistema adotado no Brasil prioriza o papel desta entidade pública, inclusive, como sabido, com roupagem constitucional, não sendo inoportuno dizer que não se cogita da exclusividade nessa atividade, até em razão de que o interessado (a parte) tem liberdade e autonomia para a escolha daquele que o defenderá, podendo inclusive eleger um profissional liberal.

Aliás, nesse ponto, pode-se relembrar o que disse o pranteado Defensor Público Silvio Roberto Mello de Moraes (in Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 1995, São Paulo,p. 17), para quem a Defensoria Pública é modo de se buscar a efetividade do Estado Democrático, verbis:...”já que ela é o instrumento pelo qual se irá viabilizar o exercício, por parte de cada cidadão hipossuficiente do Brasil, dos direitos e garantias individuais que o Constituinte tanto se preocupou em assegurar ao Povo brasileiro” (n.g.)

O processo, assim visto, funciona como democrático meio de veiculação do pensamento livre, sendo o instrumento, portanto, tendente à satisfação dos interesses individuais configurados numa dada relação jurídica sustentável idealmente perante o Judiciário, a quem, em última análise, compete constitucionalmente solucionar os conflitos de interesses submetidos ao seu heróico e justo crivo, embora, como sabido, deve-se notar também que, verbi gratia, à Defensoria Pública também se atribuiu legalmente o status de poder encerrar certos conflitos ...

Contudo, notemos também que não bastaria que a parte fosse ao julgador narrar o seu ponto de vista, pois, não obstante o brocardo jura novit curia, para o Sistema essa conduta deverá obedecer às normas procedimentais e ao princípio da subsunção, ou seja, da incidência do fato sobre a norma, além da presunção de que o autor não tem razão até que prove o alegado, o que como princípio sistemático também se aplica ao réu, que deverá também não apenas negar a pretensão autoral, mas colorir os seus argumentos com provas, de sorte a que, ao final, o juiz possa ter do conjunto probatório a formação do seu convencimento a respeito daquilo de que se lhe exige decisão. Ora, para isso, para se vencer essa formalidade essencial à segurança jurídica que se reflete do Direito ao mesmo tempo que dele se espera é necessário que a parte possa formular a sua pretensão por meio de alguém com capacidade postulatória... e aí começa a questão, num país com uma maioria esmagadora que se enquadraria no conceito de hipossuficiente.

O ex-Defensor Público-Geral da União, Dr. Reinaldo Silva Coelho (in “Defensoria Pública e os Excluídos”, obra cit., página 333), assim cita expressão do prestigioso Defensor Público fluminense, Dr. José Fontenelle Teixeira da Silva, que bem cabe ser invocada também neste momento, s.m.j., verbis: “Disse, S. Exa.: “A Justiça tornou-se uma instituição elitista acessível apenas aos capazes de acompanhar o custo de todo percurso do processo e, aos pobres, só com a Defensoria Pública”. (n.g.)

Mas, há outra nuance a ser ainda considerada pois, o Judiciário, enquanto um dos “poderes” da União e constituído com a típica função de julgar os litígios que se lhe apresentem, não pode conhecer de ofício dos conflitos de interesses que surjam no seio da sociedade, sendo necessário que alguém, com capacidade postulatória o provoque (salvo raras exceções, como, v.g., pode ocorrer nos Juizados Especiais), tais como advogados, defensores públicos, promotores de justiça e membros das chamadas procuraturas, possa representar o direito e o interesse de alguém, perante o Estado-Juiz.

Aliás, é crível pensar que fortalecer a Defensoria Pública é também fortalecer o Judiciário, na medida em que aumenta o contingente de brasileiros que podem se socorrer de ambos, sendo que, quanto a este último, se pode pensar que a dificuldade do acesso à justiça e/ou de se recorrer à Defensoria Pública corresponde a subtrair do conhecimento judicial lesões ou ameaças a direitos, enfraquecendo o monopólio estatal da jurisdição. Não é lugar aqui para o desenvolvimento dessa idéia, mas singelamente pode-se dizer que a capacidade para ser parte num dado processo carece de alguém com capacidade para estar em juízo... e é aqui que surge a questão que aqui nos interessa: o problema do acesso à justiça.

Já de início, ao enfrentar-se tão delicado tema, convém considerar que o acesso à justiça é um prius no que diz respeito à uma visão processual do direito material que se busca defender ... ou, como disse o Doutor Horácio Wanderlei Rodrigues (in “Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro”(ed. Acadêmica, 1994, São Paulo, p. 127), “o acesso à justiça é um direito fundamental, sem o qual os demais direitos não possuem garantia de efetividade” (nossos os grifos e destaques). E, é mesmo assim que tal tema há de ser visto, pois, sem exagero, o mecanismo que permita ao cidadão reclamar a atenção do Judiciário para um seu dado problema jurídico carece de poder contar previamente com amplo aparelhamento contemporâneo aos mecanismos da vida política e às exigências cotidianas, de sorte que permitam-lhe exercer o acesso à justiça como um seu direito fundamental, para o que deverá contar com todos os possíveis e hábeis meios para que tenha acesso à uma ordem jurídica justa.

Não iremos aqui nos aventurar na senda da história, pois a respeito com muito elevada autoridade ocuparam-se Humberto Peña de Moraes e José Fontenelle Teixeira da Silva (in Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado”, 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Liber Juris, 1984). A propósito, já foi dito que cidadania é o direito a ter direitos.... e, sem discutir a construção de tal idéia, convém sustentar que uma das facetas da cidadania é poder exercitar o seu direito e, para isso, sem dúvida, carece o povo de contar a seu dispor com os meios técnicos para tanto (no caso, com Defensores Públicos, a quem a Constituição Federal cometeu esse elevado mister) e com as informações básicas acerca da existência da Instituição, do seu funcionamento e da sua augusta finalidade, para que possa usufruir efetiva e concretamente dos mecanismos do acesso à justiça e própria Instituição, como um todo e, particularmente, como a Instituição constitucionalmente vocacionada para tal desiderato.

E, para ao menos pretender poder pensar acerca do que é acesso à justiça, algumas premissas, creio, hão de ser consideradas:

(1) Que o cidadão tenha necessidade e interesse em buscar guarida junto ao Judiciário;

(2) Que o cidadão hipossuficente, em essência, tenha informação de que o Estado coloca à sua disposição um corpo qualificado de profissionais com o propósito de bem atendê-lo nessa questão: os Defensores Públicos;

(3) Que haja um corpo político e de governo com consciência do seu papel no que diz respeito aos mecanismos do acesso à justiça, sem os quais não se pode falar em preocupação com os direitos dos cidadãos ou com a absoluta realização do Direito, o que se reflete até mesmo na conceituação de Estado Democrático de Direito;

(4) Que haja à diposição do interessado os meios para a propositura da demanda perante o Judiciário, o que pressupõe a consciência do seu papel de cidadão, o cumprimento das formalidades para que possa exercer o direito de lutar para demonstrar que acerca de tal fato jurídico, o preenchimento do status jurídico de hipossuficiente capaz de atuar com os benefícios da gratuidade de justiça, e da controvérsia a respeito instalada lhe assiste direito, o que passa pela orientação jurídica que lhe haverá de prestar a Defensoria Pública;

(5) Que haja à disposição do cidadão uma Defensoria Pública autônoma e constituída segundo os ditames da Carta de 1988 e do teor da Lei Complementar Federal nº 80/94, que, em âmbito nacional, cuida das Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal.

De sorte que há de se pensar nos mecanismos jurídicos-políticos imprescindíveis e à disposição para que se viabilize efetivamente o acesso à justiça a todos os interessados, assunto que cresce enormemente em importância quando se pensa que a esmagadora maioria da população brasileira não tem sequer conhecimento de que podem gratuitamente exercitar os seus direitos, muito menos de que podem recorrer a Defensores Públicos, gratuitamente.

Aliás, é bom dizer que, neste particular, claro, falamos daqueles brasileiros que tem a graça de habitar Estados da Federação que democrática e conscientemente disponibilizem esse serviço público para a sua população, pois que, lamentavelmente, ainda existem alguns poucos Estados da Federação que insistem em descumprir o que manda a Constituição Federal e os ditames da Lei Complementar Federal nº 80/94, como, ocorre, por exemplo, em São Paulo, que ainda não criou a sua Defensoria Pública, fato que, aliás, mereceu pública crítica por parte do Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Marco Aurélio, do E. Supremo Tribunal Federal, consoante reportagem publicada no Jornal do Brasil, em 22 de fevereiro de 2.001 (em matéria intitulada “Presidente do STJ diz que é preciso esvaziar prisões”), da qual destacamos o seguinte trecho das suas doutas considerações, verbis:

...”O complexo do Carandiru é o retrato do sistema prisional brasileiro. Quem tem de manter a custódia, respeitando a Constituição, é o Estado. Mas, por incrível que pareça, não existe em São Paulo Defensoria Pública. O seu trabalho não pode ser feito, como é, de forma muito aquém do razoável, pelos procuradores estaduais.” (nossos os grifos e destaques)

Por seu turno, o Excelentíssimo Senhor Ministro Sydney Sanches, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao proferir palestra sobre o tema “O Poder Judiciário e a Reforma Constitucional”, na ambiência do Congresso Poder Judiciário – A Reforma do Século, organizado pela Escola Paulista da Magistratura em Guarujá – SP ( de 10 a 13 de junho), cujos Anais foram publicados pela mesma, disse, que “A Defensoria Pública que é uma instituição respeitabilíssima e que realmente deve ser fortalecida, que tem status de quase poder, tem autonomia funcional e administrativa, e iniciativa orçamentária” (fls. 20). De tudo o que disse Sua Excelência, cremos que, s.m.j., o que aqui merece enfoque particularíssimo é a sua constatação de que é a Defensoria Pública deve ser fortalecida!

E, vejam, é no mínimo curioso que, após praticamente 13 (treze) anos, um mandamento constitucional de tal quilate e de tão grande valor social, vez que voltado para atendimento à imensa maioria de brasileiros que não estão nos níveis (cultural, financeiro, escolar, etc.) daqueles poucos que formam o ápice da tradicional pirâmide social, ainda suscite comentários e faça levantar bandeiras pelas lutas diuturnas para que se cumpra a Constituição Federal e se instale em todos os entes federativos a Defensoria Pública. A rigor, entretanto, urge dizer também que nem todos os Estados da Federação que instalaram as suas Defensorias Públicas servem de exemplo absoluto para essas linhas que ora se escreve, pois que nem sempre a Instituição neles está estruturada nos moldes traçados pelas normas de regência da matéria... Como se vê, a bandeira é altaneira demais, porém, contudo, o caminho a se trilhar nesse país de contradições não é dos mais fáceis, como, para o caso, seria de se esperar.

Talvez aqui possa ser útil a alguns dos menos crédulos no presente e no futuro da Instituição em âmbito nacional, e com a força e pujança que naturalmente dela se espera, o que há muito disse o filósofo romano Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.): “Não é porque certas coisas são difíceis que nós não ousamos. Ë justamente porque não ousamos que tais coisas são difíceis”... Sim, pois se o projeto é bom, traz resultados mais do que significativos há tantos anos e atrai a simpatia de todos, qual o motivo da dificuldade para que se instale com a mais absoluta amplitude e abrangência e com todos os meios para atender à enorme demanda reprimida por seus misteres?

E, sob que prisma haver-se-á de aferir essa necessidade do seu fortalecimento? Vejam, o Judiciário é, por vocação e essência, inerte de Ofício... O Juiz só pode exercer sua atividade típica (de julgador) quando tiver à sua frente uma pretensão deduzida por meio de alguém que tenha capacidade postulatória.... enfim, não bastará que o Juiz tome conhecimento do caso para julgá-lo: é preciso que esse seu conhecimento decorra, ao menos, do pedido formalmente feito por alguém que possa postular em juízo (Advogados, Defensores Públicos, promotores, procuradores, etc..).

Ora, raciocinemos: se, apenas no ano de 2.000, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro atendeu a cerca de 1.429.000 (um milhão, quatrocentos e vinte e nove mil) pessoas, em dados oficiais, fica evidente, com clareza solar, que cada vez mais a prestação jurisdicional depende da atuação da Defensoria Pública.

Aliás, já pude abordar esse tema em artigo que publiquei na 16ª edição da Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (páginas 225 e seguintes), editada pelo nosso Centro de Estudos Jurídicos, sob o título “A Defensoria Pública e a Globalização do Empobrecimento”, de onde me permito ora destacar os seguintes trechos de nosso pensamento, verbis:

... “Temos de buscar um novo rumo que se nos permita capacitar o Estado a restabelecer o domínio da política sobre a economia, até pelo fato de que é ao estado que os cidadãos irão recorrer, em última instância, não sendo demais lembrar que a proteção social de Roosevelt surgiu numa crise ocorrida na década de 1920, gerada por uma onda pseudo-globalizante.
Poderíamos controlar os efeitos danosos da globalização? Talvez, mas somente se terminassem as batalhas fiscais, para que se pudesse organizar os mercados financeiros e, principalmente, se a humanidade deixasse de lado interesses menores e se tratasse como uma unidade”... (obra cit, fls. 227/228)
(...)
“E, portanto, como fica a grande maioria da população hipossuficiente de hoje? E como ficarão no futuro aqueles milhões que juntar-se-ão aos carentes de hoje?
Nesse contexto suso aumenta a responsabilidade do Estado e a importância da Defensoria Pública, muitas das vezes a última instância estatal a que voluntariamente pode recorrer a grande maioria da população, evitando conflitos ou impedindo que esses tenham repercussões graves no seio da sociedade.
A pujança da Defensoria Pública é notória. E o seu crescente valor social e institucional faz com que venham erodindo hipotéticos preconceitos arraigados ainda no íntimo de alguns, que criticam por criticar, sem substância no dizer e sem um alvo concreto.” (obra cit., página 228).”...
(...)
...”E esses assistidos aumentam em quantidade diuturnamente, por conta de realidade que gera uma “globalização” do empobrecimento, que não permite a muitos usar das suas reservas - quando existem- para custear os elevados valores inerentes a qualquer questão na Justiça.
E, se a Defensoria Pública atua em aproximadamente 2/3 dos processos em curso no Judiciário fluminense, tendo atendido a alguns milhões de cidadãos apenas nos anos mais recentes, qual será o seu papel nos anos vindouros, ante os resultados nefastos que o processo de globalização vem nos impondo? Note-se, a propósito, que alguns cidadãos egressos da chamada “classe média” já buscam a Defensoria Pública.
Pode-se, então, desde logo perceber que a viabilidade da prestação jurisdicional nos próximos anos passará cada vez mais pela atuação da Defensoria Pública e, para tanto, esta deverá ser, desde logo, cada vez mais bem tratada pelo Estado, inclusive com autonomia financeira e mais cargos na carreira, par fazer frente à essa crescente demanda. Assim, queremos crer que esse início de milênio fará aumentar muito a importância da Defensoria Pública, em meio à crise e em razão da crise, quem sabe com positivas inovações, inclusive no âmbito da corrente reforma normativa prestes a ser concluída em sede federal, pois é inequívoco que, sem que essa instituição seja forte e engrandecida cotidianamente, não se poderá realizar a mais mínima Justiça.” (obra cit., página 228/229)


Aliás, o Excelentíssimo Senhor José Gregori, Ministro da Justiça (in “Universalidade dos Direitos Humanos – Indivisibilidade e Pluralidade Articulada”, artigo publicado na Revista Justiça e Cidadania, Janeiro de 2.001, nº 11, ano II, fls. 07) também já disse que, verbis:

...”A globalização aparece hoje como uma característica incontestável da vida econômica e social contemporânea. Não há dúvida de que a sociedade civil está também tornando-se crescentemente globalizada. As organizações sociais, os movimentos sociais e a vida política e social também estão se tornando cada vez mais globalizados.”... ”ao lado desses avanços positivos estamos assistindo também a uma “globalização da pobreza”, provocada pelas extraordinárias modificações nos mercados financeiros, gerando desemprego e inesperadas instabilidades que a globalização dos mercados por si mesma não pode resolver.”... (nossos os grifos e destaques)


E, claro, esse enorme e representativo resultado alcançado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apenas se refere às questões afetas ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pois as causas, de hipossuficientes, de competência originária da Justiça Federal (que envolve, por exemplo, questões ligadas ao INSS, à Justiça do Trabalho, à Caixa Econômica Federal e a todas as causas de interesse da União, relacionadas, a rigor, com temas afetos a tributos, CPMF, FGTS, planos econômicos, etc.), deveriam contar com a Defensoria Pública da União, também hoje possuindo apenas (!) 28 Defensores Públicos para atuação em todo o País (!!!), devendo ficar claro que, apesar dos esforços de tantos, o Governo Federal ainda não permitiu que se viabilize efetivamente a Defensoria Pública da União em âmbito nacional, de sorte a que o cidadão pudesse ter facilidade do acesso à justiça gratuita para demandar seus direitos contra a União. E, agora, talvez se possa melhor perceber o papel reservado pelo constituinte à Defensoria Pública e o que significa efetivamente a enorme responsabilidade dos governantes perante os administrados.

Ora, se a Globalização vem forçando a um redesenho do mapa mundial, com os “globalizantes” manipulando os fluxos de investimento e forçando uma radical diminuição dos níveis de remuneração dos cidadãos... e, com isso, “a confusão é geral, pois pode-se pensar que os governos e a própria política estão sem rumo absolutamente seguro ante a ágil movimentação da economia globalizada”, sim, pois “estão erodindo os alicerces da sociedade contemporânea” (o que já sustentávamos quando escrevemos “A Defensoria Pública e a Globalização do Empobrecimento (artigo citado), com o capital corroendo os alicerces da causa da sua própria existência.

A tal idéia convém acrescentar a de que “o capital globalizante criou uma economia mundial una, enquanto a política continua partida e, portanto, enfraquecida. O mercado, financeiro domina a política mundial, o que é uma ferida de morte na idéia que temos da democracia, merecendo registro o fato de que nunca esteve tão flexibilizada a gama de conquistas sociais auferidas no último século” (trecho também extraído do artigo citado). Nesse contexto, qual afinal a posição do Estado? A propósito, é absolutamente conveniente esclarecer que o que ora aqui se indaga tem a abordagem voltada e delimitada para o destino dos cerca de 80% (oitenta por cento) dos brasileiros que não contam já hoje com as apregoadas vantagens do processo de mundialização do capital e que são, potencialmente, os “clientes’ da Defensoria Pública no Brasil.


IV.b - NECESSIDADE DE PRONTA E EFETIVA INSTALAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA EM TODO O PAIS E EXATAMENTE NOS MOLDES PRECONIZADOS PELA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 80/94 (NOS POUCOS ESTADOS ONDE AINDA NÁO ESTÁ DEVIDAMENTE ESTRUTURADA OU ESTÁ AUSENTE E NO ÂMBITO DA UNIÃO).

O mundo é ágil, os problemas avultam. Contudo, há de se considerar que não é difícil identificar os problemas, aliás, não faltam mesmo pessoas hábeis em apontá-los, devendo-se, contudo, considerar que muito mais difícil é a nossa capacidade de propor soluções. Entretanto, ainda assim, é obrigação nossa buscar identificar as soluções que melhor atendam às necessidades da população, aqui, particularmente, no que diz respeito ao acesso à justiça e à Defensoria Pública.

Note-se, que a Defensoria Pública não tem a exclusividade do atendimento ao hipossuficiente... contudo, ainda assim, talvez a cada dia mais fique claro de que ela deve ser fortalecida em todos os seus atributos e potencialidades, até, também, pela sua vocação com status constitucional. Antes de prosseguirmos e ainda a esse respeito, urge relembrarmos aqui, para reflexão, o que, com propriedade, o ex-Defensor Público-Geral da União, Dr. Reinaldo Silva Coelho (in “Defensoria Pública e os Excluídos”, obra citada, páginas 333/334) já escreveu, verbis:


...”Com efeito, qualquer outro tipo de assistência judiciária que se queira criar fora dos padrões constitucionais, data venia, não irá atingir a verdadeira meta da função jurisdicional do Estado. Somente o operador do direito devidamente estruturado para tal função poderá garantir ao necessitado a devida assistência judicial e extra judicial, com os instrumentos e prerrogativas que o aparelho do Estado lhe oferece nos termos da Lei Complementara nº 80/94. Em conseqüência, a toda evidência, a Justiça deixará de ser uma utopia para os excluídos e se afirmará na realidade pois, o direito não se reduz a simples expressão formal, devendo a Defensoria Pública garantir aos necessitados a sua realização, ajustando-se o enunciado à realização social. É isso que a Constituição Federal, quer, teleologicamente: que o Estado patrocine a defesa dos hipossuficientes. (art. 5º, item LXXIV) (n.g.)


E, citando os festejados autores José Afonso da Silva e Celso Ribeiro Bastos, prossegue o r. autor do texto em exame (obra cit., página 334), verbis:

“A par disso, enfatize-se o que diz o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, acerca do sistema constitucional vigente: “Os Estados não têm a faculdade de escolher se instituem e mantém, ou não, a Defensoria Pública. Trata-se de instituição já estabelecida para eles na Constituição Federal, sujeita até mesmo a normas gerais a serem prescritas em Lei Complementar Federal, a toda evidência, não se pode ser órgão subordinado ou parte de outra instituição, que não ao próprio Estado...” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, ed. 5ª, páginas 533/534).

Sob o mesmo tema, Celso Ribeiro Bastos, à vista do texto constitucional, e ante a promulgação da Lei Complementar nº 80/94, observara:

”... ...“O certo é que se excluem outras modalidades de assistência jurídica aos necessitados que não seja a da própria Defensoria Publica. Esta detém, com exclusividade, a função de orientar juridicamente e de defender em todos os graus, os necessitados. Impõe-se, portanto, a criação da Defensoria Pública, tanto no âmbito federal, quanto no estadual.” (n.g.)

A propósito, acerca dessas últimas linhas suso transcritas, permito-me considerar que, s.m.j., a exclusividade ali referida ocorre apenas na ambiência dos próprios poderes públicos que têm de criar a Defensoria Pública (União, Estados e Distrito Federal), vez que outros organismos não estatais também podem prestar assistência jurídica gratuitamente (v.g., Lei 1.060/50 e demais regras pertinentes).

Mas, notemos a gravidade daquela assertiva antes formulada, no sentido de que “somente o operador do direito devidamente estruturado para tal função poderá garantir ao necessitado a devida assistência judicial e extra judicial, com os instrumentos e prerrogativas que o aparelho do Estado lhe oferece nos termos da Lei Complementara nº 80/94 (Reinaldo Silva Coelho, obra cit., p. 334).

A propósito desse entendimento, neste momento, coligindo elementos para uma amadurecida análise posterior, convém relembrarmos o que bem disse o Excelentíssimo Senhor Doutor Marco Aurélio, Ministro do E. Supremo Tribunal Federal, em reportagem do Jornal do Brasil (3ª feira, 20 de fevereiro de 2.001), assim se pronunciou, verbis:

“O complexo de Carandirú é o retrato do sistema prisional brasileiro. Quem tem de manter a custódia, respeitando a Constituição é o Estado. Mas, por incrível que pareça, não existe, em São Paulo, Defensoria Pública. O seu trabalho não pode ser feito, como é, de forma mito aquém do razoável, pelos procuradores estaduais” .(n.g.).

Ora, óbvio que o tema daquela r. matéria jornalística era a superlotação dos presídios e os demais problemas carcerários, mas, ainda assim, o sensível e sábio Ministro bem expressou um problema político-jurídico-social sério, ao lembrar que São Paulo ainda não criou a sua Defensoria Pública e ao dizer, ainda, que o atendimento prestado aos hipossuficientes naquele estado não atendem “ao razoável”.

Mas, enfim, qual a solução? Sim, vivemos uma era de crises, é verdade. Mas, o realista-otimista não deve sucumbir ante as crises que se nos apresentam, até pelo fato de que são das crises que surgem as soluções, o que em parte se explica até pela etimologia da palavra, como nos aponta Antenor Nascentes (in “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”, Tomo I, página 143), verbis: “CRISE - Do gr. Krisis, separação, julgamento, decisão, momento decisiso, pelo lat. Crise” (n.g.)

Mas, se fica difícil apontar “a” causa de tão grave e cara má distribuição de renda no país. Se é demais complexo investigar os elementos subjetivos que produziram os vários andares na vertical organização da sociedade brasileira. Se é quase impossível surgir de um momento para outro “a” pronta solução para minimizar o problema ou de algum modo nos encaminhar para um formal equilíbrio, então a solução de que dispomos, mesmo que não seja a melhor aos olhos de alguns, mesmo que não se nos apresente como absolutamente perfeita e infalível, até pelo fato de que é obra humana, deve ser assim mesmo (e por isso mesmo) abraçada, fortalecida, defendida, festejada.

E, nesse particular contexto de análise de idéias é que cresce em importância solução alvitrada pela Constituição de 1988 que, sabemos, surgiu com um novo despertar da sociedade brasileira, com a abertura política com a liberdade absoluta de expressão, com a franca democracia, com a valorização de todos os brasileiros, com a intenção de valorizar o indivíduo como cidadão! Ora, fica nítida a intenção de buscar o constituinte de então uma sólida instituição capaz de atender aos menos favorecidos de riquezas de cunho eminentemente material, mesmo nos mais distantes rincões do país, na possibilidade de permitir possa ele lutar pelos seus direitos.

Sem dúvida, uma Constituição repleta de méritos, corajosa até em certos aspectos, democrática e com olhos deitados sobre o indivíduo. A grandeza desse sentimento se reforça pelo que bem disse o Prof. Ives Gandra da Silva Martins (in “A Cidadania e o Poder”, artigo publicado no livro “As Garantias do Cidadão na Justiça”, coordenador pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ed. Saraiva, p. 55), verbis:

...”E a Constituição resultante, de rigor, transformou-se na desembocadura das grandes aspirações do povo, nada obstante as imperfeições detectadas e denunciadas por parcela considerável de juristas brasileiros. Ora, a evidente conquista de uma Carta Magna, que recolocava o Estado a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço do Estado, teria de possuir algumas características diferenciadas a marcar o perfil de um Brasil Novo constitucional e não apenas, por razões políticas, de um Brasil Novo circunstancial” (n.g.)

E, convenhamos, essa opção constitucional pela Defensoria Pública para o fim em comento se fortalece como acertada pela história da formação da Instituição, como a que acolhemos, bebendo na fonte daqueles mais iluminados que a elaboraram....

Notemos também que, esse nosso irmão brasileiro, apenas menos favorecido de riqueza material e, quiçá, das benécies que o dinheiro possa comprar (inclusive as de caráter educacional, cultural, etc.), não tem em nada diminuída o seu status de cidadão brasileiro... ou, noutras palavras: para a “Constituição Cidadã” esse cidadão não é, por isso, menos brasileiro e esse brasileiro não é, apenas por isso, menos cidadão....

Contudo, insiste-se ainda, em alguns entes federativos, por manter-se uma opção jurídico-política dissociada absolutamente da vontade da Constituição de 1988 e, talvez pela sua importância no cenário econômico nacional, o exemplo que mais salta aos olhos é o de São Paulo, que até hoje não criou ainda a sua Defensoria Pública! E os eventos como os que os noticiários enchem as nossas casas sobre Carandirú se repetem...

E, de enorme gravidade, por tudo o que salta aos olhos, é também o exemplo da União, que também até hoje não instituiu à altura da expectativa nacional, a sua Defensoria Pública da União, de sorte a que esteja em tudo habilitada a atender à enorme demanda reprimida que se nos apresenta, no contexto dos aposentados que hipoteticamente pretendam, por exemplo, rever seus benefícios, dos contribuintes que almejem discutir fato gerador do tributo, alíquotas, etc., de cidadãos que queiram discutir aspectos relacionados às desapropriações, indenizações, relações de consumo, etc... inclusive no que diz respeito aos financiamentos imobiliários em que atue a Caixa Econômica Federal – CEF como agente financeiro, etc.

Nessa altura, não se poderia jamais esquecer de mencionar trecho do discurso proferido pelo Ministro Antonio Pádua Ribeiro (expressamente referido pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins, na página 58 da já citada obra que contém o respeitável e douto artigo a que antes nos referimos aqui), por ocasião da solenidade de aniversário do Superior Tribunal de Justiça, dirigido ao então Presidente Fernando Collor, presente, verbis:

... “No Estado democrático é imperioso que os governantes e os cidadãos estejam sempre imbuídos do sentimento jurídico. O desrespeito à ordem jurídica traz graves conseqüências, pois desmoraliza o princípio da autoridade, encarnado pelo Executivo, avilta o Poder Legislativo, que exprime os anseios de liberdade do povo, desmoraliza o Judiciário, atingindo a sua razão de existir” (n.g.).

Pode parecer curioso para alguns, mais o Estado de São Paulo até hoje não criou a sua DEFENSORIA PÚBLICA, descumprindo que diz o artigo 134, da Constituição Federal e, como conseqüência, também não cumprindo o que estabelece a Lei Complementar Federal nº 80/94.



IV.C- CONCLUSÁO - PROPOSIÇÕES:


Isto posto, considerando que está demonstrado, mormente pela experiência carioca, que o modelo - DEFENSORIA PÚBLICA, ESTRUTURADA NA FORMA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 80/94 - é mais do que viável e tem excelente custo/benefício, urge adotar as seguintes medidas, que ora propomos:

1 - que seja feita uma cruzada mobilizadora da opinião pública, dos partidos políticos, da classe política, do meio jurídico, da imprensa, enfim, dos formadores de opinião, de que não adiantam mais medidas paliativas ou propostas mirabolantes, uma vez que o acesso à justiça para os hipossuficientes deve obrigatoriamente passar pelas Defensorias Públicas;

2 - que as instituições mobilizadoras de opinião atuem unidas no sentido de que deve-se cobrar por todos os meios políticas públicas sérias para efetivo cumprimento do disposto no texto constitucional e na Lei Complementar (F) n 80/94, para que afinal se crie a Defensoria Pública da União com visibilidade no contexto nacional (razão de um Defensor Público da União para cada Órgão judicante federal) e se crie nos demais Estados da Federação Defensorias Públicas com a autonomia e estrutura assemelhadas às do Rio de Janeiro e de outros Estados que vêm lutando por cumprir esse preceito;

3 - que seja seguido, em âmbito nacional, o modelo carioca, com autonomia administrativa (eleição do Defensor Geral por LISTA TRÍPLICE, prerrogativa do Defensor Público Geral do Estado para nomear, promover, exonerar e aposentar os Defensores Públicos e dispor sobre férias, licenças, etc., realizar os concursos públicos para ingresso na carreira, dispor sobre o pagamento do auxílio transporte e mudança, triênios etc), ingresso na carreira somente mediante concurso público, presença em todos os órgãos judicantes no contexto da justiça estadual, etc.

4 – que seja efetivamente implementada a Defensoria Pública da União, com porte, visibilidade e expressão nacional, com estrutura e quantitativo de Defensores Públicos da União suficientes, de sorte a fazer frente à toda a demanda reprimida, seja para atuação nas questões envolvendo o INSS, as Desapropriações, as ações indenizatórias em face da União ou outros organismos federais, a defesa em processos de natureza administrativa (servidores, etc) e tributária, etc.;

5 – que seja desprezada qualquer outra pretensa alternativa, por ferir o disposto na Constituição Federal e na Lei Complementar (F) nº 80/94 e por jogar por terra tantas conquistas e prerrogativas à Defensoria Pública por lei já asseguradas.


LEMBREMO-NOS: O POVO NÃO QUER CLIENTELISMO, ASSISTENCIALISMO OU FAVOR, MAS SIM UM SERVIÇO PÚBLICO TÉCNICO E DE QUALIDADE, ISENTO E AUTÔNOMO, CAPAZ DE LHE ALÇAR À EFETIVA CONDIÇÃO DE CIDADÃO... JUSTIÇA É DAR A CADA UM O QUE É SEU... ENTÁO NÃO PERMITAMOS MAIS NÁO SE DÊ AO POVO O QUE LHE PERTENCE !

Rio de Janeiro - RJ p/ Amparo - SP , maio de 2.001.



ROGÉRIO DOS REIS DEVISATE,
Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro (Chefe de Gabinete
do Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro),
Advogado, Conselheiro da OAB/RJ (Presidente da Comissão de Defensores Públicos, Procuradores e Advogados Públicos da OAB/RJ), associado ao IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Membro Consultor da Comissão
de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB



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