29 de ago. de 2012

gratuidade por si só não dispensa pagamento de honorários de risco

Decidiu o STJ que os benefícios da justiça gratuita, por si só, não dispensam o cliente de pagar os honorários contratados ad exitum (os chamados honorários de risco).
A decisão foi proferida no julgamento do REsp 1153163, já transitado em julgado.
Segue o Acórdão:


RECURSO ESPECIAL Nº 1.153.163 - RS (2009/0161726-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ALI SALAMI COMPARSI HARBOUKI
ADVOGADO : SAMIR ADEL SALMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO  : CARLOS SOUZA
ADVOGADO : CARMEM ZENIR FAGUNDES ALVES
EMENTA
PROCESSO CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ADVOGADO
PARTICULAR.  CONTRATAÇÃO  PELA  PARTE.  HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS AD EXITO. VERBA DEVIDA.
1.  Nada  impede  a  parte  de  obter  os  benefícios  da  assistência  judiciária  e  ser
representada  por  advogado  particular  que  indique,  hipótese  em  que,  havendo  a
celebração de contrato com previsão de pagamento de honorários ad  exito, estes
serão devidos, independentemente da sua situação econômica ser modificada pelo
resultado final da ação, não se aplicando a isenção prevista no art. 3
o
, V, da Lei nº
1.060/50, presumindo-se que a esta renunciou.
2. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma  do  Superior  Tribunal  de  Justiça,  na  conformidade  dos  votos  e  das  notas
taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, dar provimento ao recurso especial,
nos  termos  do  voto  da  Sra. Ministra Relatora. Votou  vencido  o  Sr. Ministro  Paulo  de
Tarso  Sanseverino.  Os  Srs. Ministros Massami  Uyeda,  Sidnei Beneti  e Ricardo  Villas
Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 26 de junho de 2012(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

28 de ago. de 2012

A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NÃO PREVÊ DIVULGAÇÃO DE SALÁRIOS OU DE CONTRACHEQUES - LIMITES À ATIVIDADE REGULAMENTAR: DECRETO REGULAMENTADOR NÃO PODE EXCEDER A AUTORIZAÇÃO LEGAL - PRECEDENTE DO STJ - VETO À LDO/2013 - PROTEÇÃO À PRIVACIDADE



A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NÃO 
PREVÊ DIVULGAÇÃO 
DE SALÁRIOS OU DE CONTRACHEQUES -
LIMITES  À ATIVIDADE 
REGULAMENTAR: DECRETO 
REGULAMENTADOR NÃO PODE 
EXCEDER A AUTORIZAÇÃO 
LEGAL -   VETO 
À LDO/2013 - PROTEÇÃO À PRIVACIDADE
 
ROGÉRIO DEVISATE,
Defensor Público de Classe Especial
Junto ao STF e STJ;
Associado ao IBAP – Instituto
 Brasileiro de Advocacia Pública.
 
 
a)                A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NÃO PREVÊ A EXPOSIÇÃO DE GANHOS DOS SERVIDORES – ANÁLISE DO PL 219/2003 E SUAS EMENDAS;
b)             BALISAMENTO CONSTITUCIONAL E ALCANCE DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI 12.527/2011);
c)                DECRETO REGULAMENTADOR – LIMITES À ATIVIDADE REGULAMENTAR;
d)             PROTEÇÃO À PRIVACIDADE – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º., X – A LEI 12.527/2011 CONSIDERA ILEGAL A DIVULGAÇÃO DE DADOS PESSOAIS (ART. 32) E PREVÊ A NECESSIDADE DE “AUTORIZAÇÃO” DA PESSOA QUANTO À INFORMAÇÇÃO SOB SIGILO (ART. 31, PARÁGRAFO 1º., II) – “IMPROBIDADE” NA LEI 12.527 (ART. 32. P. 2º.);
e)                DIFERENÇA ENTRE EXPOSIÇÃO E O ACESSO À INFORMAÇÃO, SEGUNDO A PRÓPRIA LEI.
 
INTRODUÇÃO
                              
               A transparência é sempre desejável, correspondendo a importante mecanismo de controle da boa gestão dos recursos públicos, inclusive quanto aos investimentos no terceiro setor e nos seguimentos beneficiados com renúncia fiscal ou repasses governamentais.
 
               A pretendida análise da lei de acesso à informação exige que se a cotege com o decreto que a regulamentou e com os balisamentos constitucionais de onde nasceu.
 
               A propósito, também buscaremos enfocar tanto a natureza quanto o limite da atividade regulamentar, que no caso concreto acabou inovando e indo além daquilo que previu a lei aprovada pelo Congresso Nacional e do que cuidava o projeto de lei que a originou (PL 219/2003), além das normas aparentemente conflitantes e que protegem a intimidade e o sigilo.
 
A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NADA FALA SOBRE DIVULGAÇÃO DE REMUNERAÇÃO E O CONGRESSO NACIONAL, PORTANTO, NÃO DEBATEU OU VOTOU O ASSUNTO   –  ANÁLISE DO PROJETO DE LEI (PL219/2003) 
 
               Consideremos, ab initio, que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, como prevê a Constituição Federal de 1988, no inciso II do seu artigo 5º e também que a Lei 12.527/2011 regulamentou apenas o inciso XXXIII da Constituição Federal, que fala que ...  “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

            Ora, com isso, a Lei 12.527/2011 NÃO contrariou o inciso X, do art. 5º., da CF/88, permanecendo, portanto, absolutamente “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoa”, razão pela qual expressamente diz estar protegendo a intimidade e a vida privada (art. 31) e reforçando tal comando ao considerar ilegal (art. 32) a divulgação de dados pessoais afins, prevendo ainda a necessidade de “autorização” da pessoa quanto à informação sobre sigilo (art. 31, P. 1º., inciso II). Cabe aqui a observação feita por Uadi Lammêgo Bulos (in Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva, p. 146) no sentido de que o constituinte  seguiu o exemplo “da Alemanha, da Argentina, do Chile e dos Estados Unidos da América. Esses Países também perceberam que a evolução tecnológica propicia uma devassa da vida particular dos indivídios, merecendo, por isso, amparo constitucional” (grifamos).

            Já de início se perceber haver, portanto, uma prevalência do teor do inciso X sobre o conteúdo do inciso XXXIII, ambos da CF/88 e com isso destaca-se o fato de que a lei federal em comento, tão discutida e por tantos anos no Congresso Nacional, não objetivava atingir a vida privada (ou a divulgação dos rendimentos) de ninguém e, para maior clareza e melhor análise, é fundamental que se descubra o que pretendia o legislador quando começou a discutir o texto que gerou a Lei Federal 12.527/2011.

               A lei federal, que decorre do Projeto de Lei identificado como PL 219/2003, de autoria do Deputado Reginaldo Lopes, tem sua tramitação disponível no site da Câmara dos Deputados e assim está ementada: “Ementa: Regulamenta o inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, dispondo sobre a prestação de informações detidas pelos órgãos da Administração Pública”.
 
            Ademais, além do comentado inciso XXXIII, do art. 5º., da CF/88, expressamente a Lei 12.527/2011 regula o previsto no inciso II, do Parágrafo 3º., do art. 37 (“O acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII) e o Parágrafo 2º., do art. 216 (“Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.”), ambos do texto constitucional.

            Além disso, a mesma lei (1º) modificou em parte a Lei 8112/90, (2º) revogou a Lei 11.111/2005, que cuidava do acesso a documentos públicos e antes regulava o acesso à informações tratado no mesmo inciso XXXIII, do art. 5º., da CF/88 e (3º) modificou, ainda, em parte, a Lei 8.159/91, que cuida da política nacional de arquivos públicos e privados, também falando de acesso e prazos etc, dela revogando os artigos 22, 23 e 24.

            Com isso, é crível que a evolução da mens legislatoris e construção da mens legis geraram um texto legal que tutela exatamente um determinado e bem definido contexto de informações e com propósitos muito claros e específicos, notadamente quanto à forma de se os acessar -  NÃO abrangendo a lei, portanto, nada diverso do que está escrito e previsto e NÃO prevendo divulgação de remuneração ou exposição de contracheques – como os aspectos e temas que aqui destacamos:

(1)    a classificação e os prazo de sigilo dos documentos públicos, ora tratando do prazo de 25, 15 ou 5 anos, para os considerados ultrassecretos, secretos ou reservados (arts. 23 e 24), inclusive prevendo que há documentos que dizem respeito “à intimidade e vida privada” e que poderão ter seu acesso restrito por até 100 (cem) anos (arts. 31, Parágrafo 1º., Inciso I);

(2)    reforça que é “dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas” (art. 25 c/c Art. 22) e que é conduta ilícita “divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal” (art. 32, Inciso IV) inclusive prevendo que se deve respeitar a intimidade e a vida privada (art. 31) e se configurar a improbidade administrativa do agente público civil ou militar que descumprir os regramentos que estabelece (art. 32, Parágrafo 2º). Aqui, excederemo-nos nas meras referências para já comentar que entendemos altamente conflitante informar a remuneração e os nomes e o contracheque (o que a lei não prevê e, portanto, em se tratando de direito administrativo, com interpretação restritiva) quando o seu próprio art. 32 considera ilegal a divulgação de dados pessoais afins e o art. 5º, inciso X, da CF/88 protege o respeito às informações relacionadas à intimidade etc, sendo oportuno registrar que tal inciso NÃO está regulado na Lei em comento e, naturalmente, nem pelo Decreto que o regulamentou, falando, ainda, em necessidade de “autorização” da pessoa quanto à informação sobre sigilo (art. 31, P. 1º., Inciso II) – não sendo impróprio lembrar que semelhante experiência pretérita gerou indenizações, como decidido pelo TJ_SP (fonte: http://pgesaopaulo.blogspot.com.br/2010/11/tj-paulista-manda-prefeitura-indenizar.html);

(3)    o pedido de acesso a informações (art. 10) poderá ser feito por “qualquer interessado”, “devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida” (artigos 10 usque 14) – também aqui permitimo-nos outro breve comentário, porquanto nas consultas feitas na  Internet nem  sempre se exigirá essa identificação do interessado com a especificação da informação requerida, de sorte que a exibição de dados na internet, previsto no regulamento (Decreto 7.724/2012) em tese contraria frontalmente o texto legal (e talvez leve o aplicador a ferir o teor do art. 198, do CTN e/ou do art. 325, do Código Penal) – sendo as questões afetas ao procedimento de acesso reguladas do citado art. 10 ao art. 14;

(4)     a lei 12.527/2011 aplica-se (1) aos órgãos da Administração Direta dos três Poderes, incluindo as Cortes de Contas, o Judiciário e o Ministério Público, (2) e  às autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, (3) às ONGs e entidades “privadas sem fins lucrativos que recebam” recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contratos de gestão, termo de parceria, convênios, acordos, ajuste ou outros instrumentos congêneres – acrescentamos, como consta do art. 116, da Lei das Licitações (Lei 8666/93) - sendo prudente registrar que, para as últimas, a publicidade em comento limita-se (repetimos: limita-se) “à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação”, independentemente das contas a serem prestadas.  Aliás, o art. 45 diz que as normas gerais da lei deverão ser seguidas nas leis específicas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, o que nos leva a concluir que o Decreto 7724/2012 só se aplicaria aos órgãos Federais e apenas do Executivo (art. 1º), respeitada a repartição constitucional de competências – a exemplo do voto do Ministro Cézar Peluso, na ADI 3239 (na qual se questionava o Decreto 4.887/2003), no sentido de que  o artigo do ADCT deve ser regulamentado por lei formal e não por decreto, não podendo o Executivo usar desse instrumento para impor obrigações a terceiros, por mais louvável que seja a intenção;

(5)    está previsto que não poderá ser negado o acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais (art. 12), não se podendo restringir o acesso a documentos ou informações que versem sobre condutas que impliquem em violação dos direitos humanos quando praticadas por agentes públicos ou a mando de autoridades (Parágrafo Único, do art. 21);

(6)     é cuidadosa ao prever que “não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça” nem outras hipóteses de reserva, segredo (como o industrial, por exemplo) ou situações protegidas em outras leis (art. 22 c/c art. 25);

(7)    dos procedimentos de classificação, desclassificação e reclassificação (art. 27 e outros) e dos recursos a respeito (arts. 15 usque 20);

(8)     da instituição da Comissão Mista de Reavaliação de Informações e o Núcleo de Segurança e Credenciamento (arts. 35 usque 47);

(9)     Sobre o acesso à informações e sua divulgação ainda consta previsão nos artigos 6º usque 9º onde, dentre outros detalhes, está previsto que os órgãos e entidades do poder público, a respeito, devem observar “as normas e procedimentos específicos aplicáveis” para proteger ainformação sigilosa e da informação pessoal”, observada a “restrição ao acesso” (art. 6º, caput c/c Incisos II e III), merecendo destaque que, dentre os direitos a se obter informação, nada há sobre os ganhos e vencimentos de servidores (art. 7º., caput e Incisos I usque VII e seus seis parágrafos), embora conste, ainda, o dever de se promover, independemente de requerimentos, a divulgação de “informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”, incluindo os repasses ou transferências de recursos financeiros (art. 8º,. Caput c/c Inciso II), preceito que vai no mesmo sentido do teor do Inciso II, do art. 3º., mas que não se confunde, ao nosso sentir, com o pagamento de proventos, subsídios, vencimentos ou afins, já que assim não expressamente tratados, não tendo o mesmo sentido dos repasses ou transferências e, demais, sendo informação protegida pela própria lei (art. 31). Aqui, salvo melhor juízo, vale a idéia de que a potestade discricionária não é absoluta ou uma força sem controle, não equivalendo a um “cheque em branco”.

Portanto, em resumo, a lei nada prevê a respeito da divulgação de dados relacionados a vencimentos, subsídios, estipêndios ou pagamentos feitos a servidores e afins, cuidando apenas de conferir efetividade ao mandamento constitucional do inciso XXXIII, do art. 5º., relativo ao “acesso à informação” (“XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”), não sendo demais repetir, em resumo, que não incluiu a divulgação dos “salários”, muito menos na “internet” (o que, aliás, contrariaria disposição que ela própria tutela, qual seja, a de que o interessado deva apresentar pedido, contendo sua identificação e especificação da informação requerida – art. 10), do mesmo modo que não derrogou as demais regras que protegem o sigilo e a intimidade, aspectos que, aliás, também protege (art. 22 c/c art. 25).

 DA PROTEÇÃO DO SIGILO DAS INFORMAÇÕES 
E DAS INFRAÇÕES E CRIME COMETIDOS POR QUEM AS VIOLAR  - CONSIDERAÇÃO ACERCA DO DESEQUILÍBRIO DE PARTES EM PROCESSOS JUDICIAIS, QUIÇÁ FERINDO O PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS, PREVISTO NO ARTIGO 125, I, DO CPC – IMPROBIDADE (LEI CIT., ART. 32, p. 2º.). 
 
               Comecemos nossa análise indagando se não seria diferente a situação das partes em processos judiciais, como por exemplo nos de alimentos ou indenizatórios, apenas por serem ou não servidores públicos? Vejamos: se litigam um servidor contra um empregado de entidade privada (que não seja ONG, cujos dados devem ser divulgados, segundo a lei...), teoricamente um teria de requerer ao juiz expedição de ofícios ao empregador, à receita federal e/ou ao banco central etc para obter informações sobre ganhos etc ao passo que o outro – segundo noticiado - acessaria tais dados na internet, já que ali estariam expostos. Também os credores de alimentos ou de indenizações poderiam obter informações quanto aos ganhos do alimentando ou do devedor na internet apenas por ser este servidor, ao passo que aqueles que tem processo contra réu que é da iniciativa privada teria de percorrer todos os caminhos judiciais existentes.
 
               Certamente, isso criaria um odioso desequilíbrio, quiçá ofendendo o princípio da paridade de armas, previsto no art. 125, I, do CPC.
 
               Mas não é só isso, é que o artigo 325, do Código Penal, prevê que é crime revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, com pena prevista de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos ou multa, se o fato não constituir crime mais grave. 
 
               Até o CTN prevê, em seu art. 198, infração decorrente da divulgação, “para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades”!
 
            A propósito, notemos que a própria lei de acesso à informaçção prevê, em seu art. 32, dentre outras situações captuladas como “condutas ilícitas”: divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal(art. 32, Inciso IV), inclusive prevendo que se deve respeitar a intimidade a vida privada (art. 31) e que pode vir a se configurar a improbidade administrativa do agente público civil ou militar que descumprir os seus regramentos (art. 32, Parágrafo 2º).!

ONDE ESTÁ PREVISTA A DIVULGAÇÃO DOS GANHOS DOS SERVIDORES E DA EXPOSIÇÃO NA INTERNET DOS SEUS CONTRACHEQUES? DECRETO PRESIDENCIAL 7.724/2012,
QUE REGULAMENTOU A LEI 12.527/2011 – LIMITES
À ATIVIDADE REGULAMENTAR

Em 16 de maio do corrente foi editado pela Presidência da República o Decreto . 7.724/2012, assim ementado:Regulamenta a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º., no inciso II do Parágrafo 3º, do Art. 37 e no Parágrafo 2º., do Art.216 da Constituição”.

O comentado Decreto não poderia representar uma substituição do Executivo à atividade do Legislativo, mas apenas, como anuncia em sua Ementa, “regulamentar a Lei 7.724/2011”, sob pena de se ferir o pacto federativo e de assim se desrespeitar o art 2º., da Carta Política de 1988. Além disso, concluímos, por hipótese e salvo melhor juízo, que tratou a remuneração (em geral) dos servidores – em sítios na Internet - como informação de interesse coletivo ou geral, como expressamente consta no Caput do art. 7º, Parágrafo 3º., inciso VI (do decreto, não da lei) este in verbis: “remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão” (grifamos).

Além disso, diante da Lei 12.527/2011 e do Inc. X, do art. 5º, da CF, permanecem  absolutamente “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, sendo ilegal (art. 32) a divulgação de dados pessoais, prevendo ainda a necessidade de “autorização” da pessoa quanto à informação sobre sigilo (art. 31, P. 1º., Inciso II).

Ora, o Decreto 7724/2012 excedeu-se, já que inovou e tratou de tema e de divulgação de informação não previstos na lei formal, aprovada pelo Congresso Nacional.

Notemos que o tema se torna mais árduo na medida em que inegavelmente tem reflexos políticos para a sociedade, que anseia, naturalmente, por informações afins e, por isso, não é demais colorirmos pensamentos nossos com abordagem capaz de nos levar a reflexões mais amplas e profundas e, para tanto, ousamos citar aqui breve trecho do livro intitulado “A Alma Imoral”, de Nilton Bonder, in verbis: ... “Uma curiosa postulação do Talmud enfatiza Este conceito através da desqualificação da unanimidade. O que à mente moderna e democrática pareceria um modelo é percebido pelo Talmud como um desastre potencial para os interesses humanos. Segundo o Tratado de Sanhedrin, em casos de julgamento de penas Capitais – quando se faziam necessários 23 juízes - , caso houvesse unanimidade na condenação do réu o julgamento era desqualificado e este liberado. O sentido de tal lei, expressão da alma e obviamente subversiva, é a desconfiança de que um processo possa ser tão bem conduzido que não paire qualquer dúvida quanto a uma leitura diferente da situação.” ... “A opinião pública, os dogmas, as convenções, a moralidade e as tradições podem muitas vezes querer representar uma unanimidade que os desqualifica como determinadores do que é justo, saudável e construtivo”... (trechos destacados).

Temos que há um conflito entre o público e o privado e que a publicidade não pode ultrapassar os limites das reservas imanentes à personalidade e à defesa da intimidade e da imagem das pessoas etc

Notemos que num sistema republicano e democrático as questões não podem fugir da apreciação do Poder Judiciário, sendo crível que doravante provavelmente caber-lhe-á definir o tema.

Lembremo-nos que Laurence Kohlberg (in Psicologia Del desarrollo moral, Bilbao, De. Desclée, 1992, p. 233), em tradução livre, falava que a  justiça é a única virtude nomeada por Aristóteles, sendo as restantes tidas mais como normas de um ideal de vida boa para um só indivíduo racional”, donde se concluir que exposto o indivíduo se tem por violada a base do sistema, que começa a erodir.

Curioso no mesmo sentido notar a advertência de Aristóteles que valorizava a ação - o atuar concreto, a experiência – e que dizia  que tornamo-nos justos praticando atos justos” ... (Coleção Os Pensadores, 1996, p. 137, editora Nova Cultural).

Tais reflexões são importantes, em nosso sentir, porquanto somos reféns muitas vezes do afã de líderes que corretamente acham que tem de “fazer alguma coisa” quando ainda não sabem exatamente “o que fazer” e aí, ainda bem, na democracia entra o guardião da constituição, o Judiciário, para decidir conforme a Constituição!

Mas, num regime democrático, por sorte o foco de pensamento pessoal não é o único oxigênio a alimentar a chama das decisões políticas, o que nos protege dos “pequenos tiranetes que se incham quando põem a mão em alguma nesga de poder” (como bem expressa Marco Aurélio Nogueira (in Potência, Limites e Seduções do Poder, ed. Unesp, p. 10) e longe se vão os anos da ditadura.

Não raro, surgem propósitos de disciplinar cada detalhe da vida das pessoas, através da elaboração de sofisticados mecanismos de controle, seja sobre os prazeres, o tempo, as preferêncais, as idéias e gostos e desejos etc, levando-nos a suportar uma coerção permanente e nem sempre às claras, ocorrendo em condutas administrativas e também pela tv, moda e propaganda, por vezes exteriorizados pelo exercício do pequeno poder, como tão bem expressado por Michel Foucault (in Vigiar e Punir, ed. Vozes, 1999). Aliás, a respeito a história tem vários exemplos, notórios.

Notemos que o nosso sistema constitucional garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada (CF/88, art. 5º., X) seguindo o exemplo “da Alemanha, da Argentina, do Chile e dos Estados Unidos da América. Esses Países também perceberam que a evolução tecnológica propicia uma devassa da vida particular dos indivíduos, merecendo, por isso, amparo constitucional (Uadi Lammêgo Bulos, in Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva, p. 146 – n.g.).

Na mesma ordem de idéias mas sob ótica diversa, temos que o Estado evoluiu da posição de adversário dos direitos fundamentais para a de garantidor ou guardião desses mesmos direitos (Grundrechtsfreund oder Grundrechtsgarant) e, sobre o tema, com particular profundidade e clareza, nos ensina o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, ed. Saraiva, p.120).

Oportuno, então, ver que apenas no Decreto 7724, de 16 de maio de 2012, é que aparece a previsão de divulgação da remuneração dos servidores e em sítio internet (art. 7º, caput c/c Parágrafo 1º e Parágrafo 3º., inciso VI). Ocorre que o Decreto é apenas um regulamento da lei e, portanto, está adstrito à definição jurídica para a atividade regulamentar do Executivo.

A propósito, não há dúvida de que o Decreto em comento não tem a natureza de lei formal, a uma por se autodefinir como regulamentador daquela lei (art. 1º) e a duas por não poder o Executivo utilizar-se do Decreto como substutivo de lei e pretender com essa via impor obrigações a terceiros, por mais louvável até que seja a intenção, o que aliás é o entendimento contido no voto do Ministro Cezar Peluzo, na ADI 3239, em curso no Supremo Tribunal Federal – STF, onde estava em julgamento o Decreto 4.887/2003.

Os espanhóis Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez, na clássica obra Curso de Derecho Administrativo, traduzido para o português por Arnaldo Setti e publicado pela ed. RT sob o título Curso de Direito Administrativo, 1991, nos ensinam, sobre a atividade regulamentar, que “sua submissão à lei é absoluta, em vários sentidos: não produz mais do que a lei deixa, não pode tentar deixar sem efeito os preceitos legais ou contradizê-los” (p. 198 – n.g.) acrescentando, ainda, que “aparece necessariamente como complementário da lei, não podem por si só originar obrigações ou deveres de supremacia geral para os súditos” (obra cit., p. 228 – n.g.).

A respeito, ensina-nos, com ímpar autoridade, José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de Direito Administrativo, 8ª. ed., Lumen Juris, p. 36/37): ... “a prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei;  não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de esar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo”... “ao poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. Decorre daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e obrigações” (n.g.)....

            Odete Medauar nos ensina (Direito Administrativo Moderno, ed. RT, p. 129), citando Anna Cândida da Cunha Ferraz, que o poder regulamentador enfrenta duas ordens de limitações: de um lado, não pode exceder os limites da função executiva, o que significa dizer que não pode substituir a função legislativa formal (do Poder Legislativo), modificando ou ab-rogando leis formais; de outro lado não pode ultrapassar as fronteiras da lei que explicita...

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Direito Administrativo, 21ª. ed., Ed. Atlas, p. 220) nos ensina que os Decretos são regulamentares (ou de execução, para fiel execução das leis) ou independentes (autônomos, quando disciplinam matéria não regulada em lei, advertindo-nos de que a partir da Constituição Federal de 1988 não há fundamento para esse tipo de decreto no direito brasileiro, salvo nas hipóteses do artigo 84, VI, da CF, com a redação da Emenda Constitucional 32/01, o que basicamente se limita a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas e criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública ).

Curioso notar que sempre se questionou a prática de governar por “decreto-lei”, própria da chamada ditadura nacional! Contudo, não se ouviu ecos de protesto contra o status do decreto em comento quando dispôs sobre temas tão sensíveis e que previstos na lei de regência.

ONGS,
FAVORES FISCAIS, RENÚNCIA FISCAL ETC

Além disso, há as questões relativas às contas das ONGs e os favores fiscais, relativos à incentivos (como no caso das indústrias automobilísticas),  guerras e renúncia fiscal, a flexibilização do duro texto da lei das licitações para os procedimentos de gastos para a Copa e os Jogos Olímpicos etc. Isso tudo é alcançado pela lei de acesso à informação e a sociedade deveria observar e com muita atenção tais aspectos, até pelo fato de que ao final acaba pagando a conta, não sendo demais lembrar que, em São Paulo, a exibição dos ganhos dos servidores – em hipótese assemelhada - gerou indenizações na Justiça, como se noticia em sites, como, por exemplo em http://sindsepforte.blogspot.com.br/2010/11/servidores-ganham-indenizacoes-pela.html# e http://pgesaopaulo.blogspot.com.br/2010/11/tj-paulista-manda-prefeitura-indenizar.html.

INFORMAÇÃO OU EXPOSIÇÃO?

Outro aspecto não menos importante diz respeito à diferença de tratamento que a própria lei em análise faz da informação a ser acessada e a exposição gratuida das informações.

Notemos que a lei prevê que o pedido de acesso a informações poderá ser feito por “qualquer interessado”, mas que deve a sua pretensão conter o pedido com a “dentificação do requerente e a especificação da informação requerida” (artigos 10 usque 14), o que naturalmente não se coaduna com a exposição na internet, como previsto no regulamento (Decreto7.724/2012), o que, salvo melhor juízo, em tese contraria frontalmente o texto legal (e talvez leve o aplicador a ferir o teor do art. 198, do CTN e/ou do art. 325, do Código Penal) – sendo as questões afetas ao procedimento de acesso reguladas do citado art. 10 ao art. 14.

De se notar, também, que não se excluiu as hipóteses legais de “sigilo e de segredo de justiça” nem outras hipóteses de reserva, segredo ou situações protegidas em outras leis (art. 22 c/c art. 25), prevendo que é “dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas” (art. 25 c/c art. 22) e que é conduta ilícita “divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal” (art. 32, Inciso IV), dispondo que se deve respeitar a intimidade e a vida privada (art. 31) e que se configurará improbidade administrativa do agente público civil ou militar que descumprir os regramentos que estabelece (Art. 32, Parágrafo 2º).

Merece destaque que a lei, ainda, exige “autorização” da pessoa quanto à informação sobre sigilo (art. 31, P. 1º., Inciso II)!

Contudo, apesar de tudo isso, parece que o que despertou paixões foi a questão da exibição dos contracheques, sobre a qual a lei sequer dispõe! Perguntamo-nos: seriam os contracheques divulgados na internet a versão moderna dos corpos dos guilhotinados que no passado eram expostos em praça pública?

Por fim, fica uma dúvida decorrente do fato de que a LDO de 2013 em 20 de agosto sofreu vetos e que um desses foi exatamente sobre pretensão de se normatizar a divulgação dos dados que estariam sob o pálio da lei do acesso à informação, notadamente para as estatais e empresas públicas (consulta no site da Câmara dos Deputados, em http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/424435-LDO-E-SANCIONADA-COM-VETO-INTEGRAL-AS-METAS-ELABORADAS-PELO-CONGRESSO.htmll. Com isso criou-se um arremedo, pois se admite a divulgação dos salários dos servidores da Administração direta federal – pelo citado Decreto 7724/12 - mas não das estatais e empresas públicas. Qual o motívo?  

PROTEÇÃO À PRIVACIDADE
DO SERVIDOR: PRECEDENTE DO STJ (RMS 14.163

A 2ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça -  STJ, ao julgar em idos de 2002 o RMS 14.163, sob a Relatoria da Ministra Eliana Calmon, por unanimidade decidiu que “a remuneração dos servidores públicos está prevista em lei, com publicidade ampla” e que “não pode o cidadão ter acesso à intimidade de cada servidor”, estando a Ementa lavrada nos seguintes termos (fonte, site do STJ), in verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 14.163 - MS (2001/0192508-9)
RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : CARLOS ALBERTO ZEOLA E OUTRO
ADVOGADO : CLELIO CHIESA E OUTROS
T.ORIGEM  : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
IMPETRADO  : PROCURADOR  GERAL  DE JUSTIÇA  DO  ESTADO  DE  MATO GROSSO DO SUL
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - CERTIDÃO.
1.  A  remuneração  dos  servidores  públicos  está  prevista  em  lei,  com
publicidade ampla para conhecimento dos interessados.
2.  Diferentemente,  não  pode  o  cidadão  ter  acesso  à  intimidade  de  cada servidor.
3. Impossibilidade de conceder a Administração certidão nominal dos ganhos de cada servidor.
4. Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados  e  discutidos  estes  autos,  acordam  os Ministros  da  Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Laurita Vaz e Francisco Peçanha Martins.
Ausentes, justificamente, os Srs. Ministros Franciulli Netto e Paulo Medina.
Brasília-DF, 27 de agosto de 2002 (Data do Julgamento)
MINISTRA ELIANA CALMON
Presidente e Relatora” (sublinhamos)

Para maior clareza quanto ao ponto controvertido então analisado, vejamos o Voto da Relatora, eminente Ministra Eliana Calmon (fonte, site do STJ), in verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 14.163 - MS (2001/0192508-9)
RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : CARLOS ALBERTO ZEOLA E OUTRO
ADVOGADO : CLELIO CHIESA E OUTROS
T.ORIGEM  : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
IMPETRADO  : PROCURADOR  GERAL  DE JUSTIÇA  DO  ESTADO  DE  MATO GROSSO DO SUL
VOTO
EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON(RELATORA): Os valores da  remuneração  dos  servidores  públicos  consta  de  lei,  tendo  acesso  a  ela  todos  os interessados, porque publicado no Diário Oficial.
Entretanto, a remuneração individual de cada servidor é assunto a ser mantido em sigilo, em nome do princípio da privacidade de cada indivíduo.
Ora,  não  podem  os  cidadãos,  por  mera  suposição,  desconfiança  ou  palpite, buscar produzir provas com certidões fornecidas pelos órgãos públicos.
Ao imputar aos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO dano ao erário, cabe a quem alega apresentar as provas que dão suporte às alegações, podendo, no curso da ação, até serem os dados funcionais requisitados para efeito de prova, que se juntará a outras tantas.
Inexiste  direito  líquido  e  certo  para  o  cidadão  devassar  a  vida econômico-financeira dos servidores públicos.
Com esta compreensão, nego provimento ao recurso.
É o voto.” (sublinhamos)

Aparentemente o contexto é outro, já que decorridos dez (10) anos desde o julgamento suso referido.

Todavia, em se considerando que inexiste LEI formal autorizando a exposição da remuneração dos servidores mas apenas um decreto regulamentador que excede os seus limites constitucionais, naturalmente que se mantém ainda atual a r. decisão em apreço.


CONCLUSÃO
Concluindo:

-          a divulgação dos dados remuneratórios não foi previsto na lei de acesso à informação, mas apenas no decreto que a regulamenta, que por isso contém vício de origem e forma, já que acabou por usurpar atribuição do Legislativo e a exceder os limites constitucionais da atividade regulamentar;

-          a lei do acesso à informação não se confunde com gratuita exposição dos dados a cargo do Estado, que tem o dever primeiro de por eles zelar e de respeitar a privacidade e intimidade das pessoas, devendo por isso o interessado em informações se identificar e ficando estatuído que o agente que não observar a norma incorre também em improbidade administrativa;

-          a lei apenas é autoaplicável no âmbito federal (art. 1º.), devendo os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dentro da sua competência, editar as leis próprias (CF, art. 24, P. 2º c/c 30, II), enquanto o Decreto 7724/2012, regulamentador daquela lei e que criou a figura da divulgação de remuneração e ganhos etc apenas, apenas é aplicável ao Executivo Federal (art. 1º c/c art. 7º., P. 3º, VI))

-          a Administração não dispõe da liberdade de expor os dados que desejar apenas porque estão sob sua guarda, tanto que editou a lei em comento e cuidou dos prazos, classificação etc, sendo que a própria lei fala em necessidade de expressa autorização do interessado para obtenção dados de caráter pessoal de terceiros;

-          A sociedade tem o direito de ser informada e o Estado tem o dever de atuar em absoluta observância da Constituição Federal e das leis de regência, devendo ser o primeiro a dar exemplo e respeitá-los (não correspondendo a potestade regulamentar, o que inclui a edição de decreto regulamentador de lei, a uma atividade sem controle ou a um “cheque em branco”), no caso exercendo a autotutela e corrigindo o comentado Decreto 7724/2012, notadamente na parte em que fala da “exposição” (curioso notar que sobre este ponto há precedente do STJ, proferido em idos de 2002: RMS 14.163) dos ganhos dos servidores da administração direta (art. 7º.), já que se trata de inovação na ambiência do ato que apenas deveria regulamentar o que o Congresso Nacional previu ao editar a lei de acesso à informação (de algum modo parece que esta mudança de rumo pode ter começado há dias com o veto parcial à LDO/2013, que não permitiu a exposição dos ganhos dos que trabalham em estatais e empresas públicas).
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Referências bibliográficas:
Gilmar Ferreira Mendes - Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, ed. Saraiva;
Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez - Curso de Derecho Administrativo, traduzido para o português por Arnaldo Setti e publicado pela ed. RT, sob o título Curso de Direito Administrativo, 1991;
Marco Aurélio Nogueira - Potência, Limites e Seduções do Poder, ed. Unesp;
Uadi Lammêgo Bulos - Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva;
José dos Santos Carvalho Filho - Manual de Direito Administrativo, 8ª. ed., Lumen Juris;
Odete Medauar - Direito Administrativo Moderno, ed. RT;
Laurence Kohlberg - Psicologia Del desarrollo moral, Bilbao, De. Desclée, 1992;
Nilton Bonder - A Alma Imoral, Ed. Rocco;
Aristóteles - Coleção Os Pensadores, 1996, editora Nova Cultural;.
Michel Foucault -Vigiar e Punir, ed. Vozes, 1999.

ROGÉRIO DEVISATE
Defensor Público de Classe Especial junto ao STF - Supremo Tribunal Federal
e STJ - Superior Tribunal de Justiça
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Associado ao IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública