4 de jan. de 2012

Advocacia, Defensoria e MP são diferentes - Rogério Devisate



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"FUNÇÃO JURISDICIONAL

Advocacia,   Defensoria   e MP 

são diferentes







Não há palavras em vão no texto constitucional e este o prius da abordagem: o desejo expresso do constituinte original de 1988, quando tratou da Defensoria Pública.

Para o propósito deste estudo, considerar-se-ão a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Advocacia na Carta Política de 1988, mas, neste curto espaço, não se analisarão suas funções típicas, prerrogativas dos seus membros ou temas afins, como as históricas lutas empreendidas pelas categorias e pela advocacia na senda da democratização, mas apenas o que diz respeito à destacada parte da redação do texto constitucional.

Desde logo, é bom que se diga, pois é
 a pura verdade, todas as três (MP, Defensoria e advocacia) são fundamentais em tudo para que a atividade típica do Poder Judiciário - solucionar os conflitos de interesses que se lhe submetam – possa ocorrer. De fato, hoje não se consegue imaginar a máquina judicial funcionando sem Ministério Público, sem Defensoria Pública e sem advocacia, não apenas pelo princípio da inércia do Judiciário, que precisa ser provocado, mas principalmente porque assumiram e assumem papéis fundamentais na cotidiana consolidação da democracia, cada qual no seu papel constitucional e de transformação social, no seu papel típico ou em ações diretas ou mediatas de controle externo de atividades do Estado exteriorizadas em atos de potestades executiva, legislativa e judicial, como também, por vezes, nos papéis de parte ou de defesa de direitos individuais ou de interesses difusos ou coletivos e em atuações nominadas como de curadoria especial, custos legis etc.

Mas, além da essencialidade de todos os atores do sistema, há um ponto que às vezes parece confuso e que merece se tentar aclarar.

Quando a Constituição Federal de 1988 fala no Ministério Público e na Defensoria Pública os trata como essenciais à “função jurisdicional do Estado” (artigos 127 e 134, respectivamente).

Já quando fala na advocacia privada fala que é indispensável à administração da Justiça(artigo 133).

Embora haja o impulso inicial num sentido, é crível que há aí uma importante distinção e expressa no próprio texto constitucional, por vontade do constituinte originário.

Ora, se a advocacia é indispensável à administração da Justiça não se a tem como essencial à função jurisdicional, pois em tal posição o constituinte colocou apenas o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Assim, em princípio, a advocacia privada se afasta daquela idéia de “essencialidade” para a típica função de julgar cometida ao Poder Judiciário, vez que aquele tratamento apenas há nos citados trechos dos artigos 127 e 134, da Constituição. Por outro, a idéia de ser “indispensável à administração da Justiça” (artigo 133) não a deixa (como não é, em essência) em papel secundário, nem poderia, como já se decidiu na ambiência do STJ: não é “mero defensor de interesses privados. Tampouco é auxiliar do juiz. Sua atividade, com particular em colaboração com o Estado” é livre de qualquer vínculo de subordinação para com magistrados e agentes” (STJ, RMS 1.275/91-RJ, relator ministro Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, acórdão publicado em 23 de março de 1992), cabendo-lhe, de fato, também, papel fiscalizador quanto à eficiência, administração e funcionalidade do próprio sistema judicial e da atividade jurisdicional, prestando, enfim, “importante serviço de contribuição para o bom exercício da Justiça” (STJ, RHC 4.539/RR, relator ministro Jesus Costa Lima, 5ª Turma, acórdão publicado em 28. De agosto de 1995)

A propósito, a Constituição Federal de 1988 incompreensivelmente não emprega tais expressões com relação aos “advogados públicos”, em face da redação adotada para os artigos 131 e 132 (integrantes da Seção II – “Advocacia Pública” - do texto constitucional, aqui com a redação introduzida pela Emenda Constitucional 19/1998).

Nesta ordem de idéias, é crível que o constituinte de 1988 tenha estruturado o sistema judiciário brasileiro num tripé de entes do próprio Estado, com quem julga, quem acusa e quem defende (embora o MP não seja só o acusador e nem a DP seja só defesa, como sabemos, com os papéis de custos legis de um, de curador especial do outro, as atribuições para as ações civis públicas, etc) e tanto e a tal ponto que o eminente ministro Ricardo Lewandowski, ao proferir seu voto em 8 de novembro de 2006, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.643 — sobre o fundo especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro — disse, aqui apenas com relação às Defensorias Públicas (processo citado, folhas 163/164), in verbis"há uma diferença muito interessante entre o que diz o artigo 134 e o 133 da Carta Magna. O artigo 134 diz: "A Defensoria Pública é" - ou constitui - "instituição essencial à função jurisdicional" (...) Portanto, integra-se ao aparato da prestação jurisdicional, sendo quase um órgão do Poder Judiciário. Não avanço tanto, mas integra, sem dúvida, esse aparato. E o artigo 133, quando fala do advogado, não usa essa expressão, mas diz: "O advogado é indispensável à administração da justiça" (...) Embora ele faça parte do tripé, no qual se assenta a prestação jurisdiconal, ele se aparta um pouco desta categoria especial, desse status especial, que se dá à Defensoria Pública. Por essas razões, acompanho integralmente o eminente relator, julgando improcedente a ação" (fonte: site do STF; grifos e destaques nossos).

Noutro ponto de apoio, é crível que a Defensoria Pública é a instituição vocacionada pelo constituinte originário a ser agente transformadora e viabilizadora dessa estruturante mudança de paradigma, alvitrando tornar o Judiciário acessível à toda essa enorme população carente de tanto (para não dizer de tudo), a tal ponto que hoje é comum ouvir a expressão “devedores superindividados”, conceito em parte consolidado pelo trabalho da Defensoria Pública fluminense, inclusive premiado na V edição do Prêmio Innovare (2008), circunstância ora lembrada apenas para exemplificar uma das ações mais amplas implementadas, dentre tantas, como as que ocorrem também no sistema penitenciário, na defesa dos jovens – aliás, por recente decisão do Órgão Especial do TJ-RJ ficou reconhecido que é à Defensoria Pública fluminense que cabe exercer a curadoria especial em defesa das crianças e adolescentes nos abrigos – e dos Direitos Humanos, idosos, mulheres vítimas de violência etc, além das áreas tradicionais e isso tudo, ao menos no Rio de Janeiro, permitindo que a população seja atendida em todas as Comarcas do Estado, bem como no tribunal local e nos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) e, frisamos, em todas as áreas do Direito.

Também não se nos parece desproposital lembrar que, na 41ª Assembléia Geral da OEA – Organização dos Estados Americanos, havida de 5 a 7 de junho do corrente, foi aprovada por unanimidade a Resolução AG/RES 2.656 (XLI-0/11), sob o título “Garantias para o acesso à Justiça. O Papel dos defensores oficiais”, que trata do acesso à justiça como um direito autônomo, que permite exercer e proteger outros direitos, o que enseja, por exemplo, o trabalho em prol dos direitos da população de rua (Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2757894/seminario-no-rio-discute-acesso-a-justica-para-populacao-de-rua e http://www.conjur.com.br/2011-jun-08/seminario-debate-atendimento-juridico-moradores-rua, dentre outras).

Por isso defendemos em outro estudo, há muitos anos, a introdução do neologismo “defensorar”para definir a atuação do defensor público, quando do exercício do seu munus (DEVISATE, Rogério, “Categorização, um ensaio sobre a Defensoria Pública, publicado em “Acesso à Justiça - 2ª Série”, Editora Lumen Juris, páginas 389/400, 2004 e na Revista de Direito da Defensoria Pública (RJ) 19, editada pelo CEJUR, páginas 365/376 - abril de 2004).

Parece-nos que a necessidade de se tratar de modo claro e mais robusto a Defensoria Pública em sede constitucional e na Lei Complementar Federal 80/1994 decorreu da constatação de que a simples gratuidade de justiça não era bastante para satisfazer os direitos e interesses dos hipossuficientes, neste país com históricas desigualdades sociais tão grandes quanto seu imenso território.

Com isso, é crível que o sistema judiciário brasileiro funciona pelo atuar interdependente de todas as estruturas que direta ou mediatamente o integram, seja o próprio Judiciário ou Estado-Juiz, seja pela ação do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da advocacia (privada ou pública), ainda que o constituinte atribua a condição de “essenciais” à própria função jurisdicional apenas ao Ministério Público e à Defensoria Pública e o status de ser indispensável à administração da justiça apenas à advocacia privada.

Fica, aqui, por fim, a nota de que esta análise tem objetivos exclusivamente acadêmicos e que tem sua motivação decorrente da análise crítica do texto constitucional vigente.

Referências

1 - OEA – Organização dos Estados Americanos - Resolução AG/RES. 2656 (XLI-0/11) "Garantias para o acesso à Justiça. O papel dos defensores oficiais" (Fonte:http://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/11698/AG_RES_2656_pt.pdf );

2 – MORAES, Humberto Peña e José Fontenelle Teixeira da Silva (in Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado”, 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Liber Juris, 1984);

3 - DEVISATE, Rogério - “Defensor Público não é Advogado Público” (in Consultor Jurídico, em 27.5.2011 - http://www.conjur.com.br/2011-mai-27/constituicao-prova-defensor-publico-nao-advogado-publico);

4 – DEVISATE, Rogério - “Categorização, um ensaio sobre a Defensoria Pública” (in Acesso à Justiça- 2ª Série, organizada por Fábio Costa Soares, publicada pela Editora Lumen Juris (páginas 389/400 e na Revista de Direito da Defensoria Pública (RJ) nº 19, editada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (páginas 365/376 - abril de 2004);

5 - DEVISATE, Rogério – “Acesso à Justiça – Problema de Essência: A Defensoria Pública como a solução constitucional para os hipossuficientes” (tese aprovada no V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública, realizado em Amparo - SP, 2001, promovido pela OAB-SP e pelo IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, publicada nos livros Desarios Éticos da Advocacia Pública", organizado por Guilherme José Purvin de Figueiredo e publicada pela ADCOAS e IBAP, 2002 (páginas 299/321) e "Acesso à Justiça", coordenada por Raphael Augusto Sofiati de Queiroz, ed. pela Lumen Juris em idos de 2002 (páginas 263/290);

6 – STF – Adin 3643 (site do STF);

7 - Notas Taquigráficas da Sessão de 1º de junho de 2.000, da Câmara dos Deputados (Brasília – DF), em homenagem aos Defensores Públicos do País.

8 – Internet:

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ROGÉRIO DOS REIS DEVISATE é defensor público no Rio de Janeiro, atuando junto ao S.T.F. e S.T.J. e é vice-presidente da Associação dos Defensores Públicos do Rio de Janeiro (Adperj).