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ARTIGO PUBLICADO:
DEVISATE, Rogério. Usucapião
tabular: análise sistêmica (para que não sirva como sanatória da “grilagem”
presente na realidade fundiária brasileira). Revista de Direitos Difusos, vol.
62, Coordenadores Guilherme José Purvin de Figueiredo e Marcelo Abelha
Rodrigues. São Paulo, IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública,
Julho-Dezembro/2014, p. 119/150. Estudo também
publicado na Revista de Direito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de
Janeiro – EMERJ, 65ª edição, maio/agosto de 2014, p. 207/236.
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USUCAPIÃO
TABULAR: ANÁLISE SISTÊMICA
(PARA
QUE NÃO SEJA SANATÓRIA DA
“GRILAGEM”
PRESENTE NA
REALIDADE
FUNDIÁRIA BRASILEIRA)
Rogério Devisate
(Defensor Público/RJ junto ao STF e STJ,
associado ao IBAP, Advogado)
Surpreende que a grilagem[1]`[2]`[3]`[4] de terras exista de modo tão
disseminado em nosso país, que conta com um sistema jurídico bem estruturado e
que tão detalhada e claramente cuida dos atos e negócios lícitos, válidos e
eficazes, devidamente tratando dos atos nulos e dos atos anuláveis[5],
com previsão da possibilidade de convalescença apenas dessa última categoria.
Consta em nosso sistema que “o
negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce com o
decurso do tempo” (CC/2002, art. 169), no que o legislador “seguiu a doutrina tradicional que tem
sustentado que, além de insanável, a nulidade é imprescritível, o que daria em
que, por maior que fosse o tempo decorrido, sempre seria possível atacar o
negócio jurídico “quod nullum et nullo lapsu temporis convalescere potest”[6].
Apesar disso, o legislador pareceu cair
em contradição ao introduzir no Parágrafo Único, do art. 1.242, do CC/2002 uma figura
de convalescença do registro imobiliário que a doutrina vem chamando de
“usucapião tabular” e que, salvo melhor juízo, contraria o sistema de nulidades
estabelecido no mesmo Código (e o próprio instituto da usucapião, já que sendo
mero “convalescimento do registro cancelado” é espécie de aquisição derivada[7], ao
passo que sabemos que a usucapião típica é modo de aquisição originária da
propriedade).
Nosso vigente Código Civil se contraria nessa
parte, ao ter, por um lado, doutrina das nulidades baseada no Código Alemão (que
tanto influenciou o nosso saudoso Código de 1916 e que se reflete no atual de
2002, nesta parte bem semelhantes) e ao mesmo tempo prever um tipo de
convalescença registral pelo decurso do tempo, embora sem muito a detalhar[8] e emprestando
um valor exagerado[9]
ao registro que vigeu por cinco anos até ser cancelado (assim mesmo, de modo genérico
e sem especificação – CC, art. 1.242,
Parágrafo Único), como se essa circunstância (ainda que somada a outros
fatores), simplificando demasiadamente a abordagem, fosse solução para todos os males da questão documental na questão fundiária
brasileira, com o poder de “varrer para
baixo do tapete” e num passe de mágica a sujeira histórica sobre
apossamentos à margem da lei, em parte fruto do coronelismo, em parte por
uma praxe[10]
em algumas regiões do interior, notadamente quanto à ocupação das terras
devolutas etc, pois em tese bastaria que ocorresse o cancelamento do registro[11] para que o interessado pudesse
postular a tal convalescença do registro (não podemos nos esquecer de que o
sistema brasileiro difere[12]
neste ponto do alemão, pois o nosso registro imobiliário é causal, de forma que
uma vez inválido o título também será o registro do qual decorre, desfazendo-se
a aparência de transferência da propriedade)[13].
Ocorre que esse registro de terra em
nome de particular posteriormente cancelado pode aparentemente (apenas)
corresponder à hipótese do art. 1.242, CC (usucapião tabular), mas ocultar fraudes
e crimes relacionados à montagem do teatro que pode nos apresentar o registro
cancelando[14]
ou a própria matrícula de imóvel em análise, já que se o imóvel é público (e
foi objeto de grilagem, não tendo sido, portanto, corretamente “destacado” do
patrimônio público) jamais ingressou no patrimônio particular e não ensejaria assim
a aquisição em comento, por contrariar a própria CF (art. 183) e todo o sistema
de nulidades... Portanto, para tal instituto é absolutamente necessário que se trate de terra realmente particular,
sem vícios que correspondam à grilagem de terra pública (notadamente devoluta,
indígena ou de fronteira).
Também não podemos deixar de lado a
história e as contradições já enraizadas, pois o discurso político ataca a
grilagem enquanto o País se vê impedido de se desenvolver com plena segurança
jurídica por uma adversidade sempre em ação, hábil e soturna e que, quando
revelada, simplesmente mais expõe as fragilidades e complexidades do Estado,
que tem de ser jurídico para combater a antijuridicidade das ações dos
grileiros (que são capazes de enganar e usar o aparato estatal até para iniciar
e concluir um inventário em 48 horas[15] e
de gente que nunca viveu e que, portanto, nunca morreu e nem foi proprietária
de enormes fazendas, enquanto o poder público leva décadas para anular aquele mesmo absurdo registro fraudado/grilado a
que deu causa por sua ineficiência e falho controle prévio de legalidade!)[16],
num país onde o modelo do sistema colonial de ocupação e certo autoritarismo
são legados relevantes, com os coronéis se auto investindo de potestades próprias do poder legitimamente
constituído e tendo a lealdade do conjunto de cidadãos que é dele cada vez mais
dependente.
Pensamos que não pode mais ser assim e
ousamos dizer que a usucapião tabular não
pode ser desvirtuada para servir como instrumento para legitimar os registros apenas
aparentemente corretos[17] mas na verdade decorrentes de nulos
títulos causais[18] grilados.
Por isso a análise sistêmica dessa novel
figura, para que não se preste a purgar
(“convalescença registral”) todo e qualquer cancelamento de registro imobiliário
(lembrando que os negócios jurídicos nulos não são suscetíveis de confirmação
ou convalescença – art. 169. CC) e adiante se consolidar fraudes cartorárias[19] e
a usurpação de terras devolutas e toda sorte de condutas e crimes relacionados
a falsidades documentais e ideológicas[20],
dando-lhe apenas aparência de terra particular em complexas situações
decorrentes de uma fraqueza do Estado, que enfraquece e arrisca jogar por terra
o esforço da sua própria estrutura (estatal) no combate à grilagem de terras[21]...
A propósito, mesmo que não haja possibilidade legal de usucapião
de terra pública (no mais das
vezes devoluta) - até com vedação constitucional[22] -
é bom lembrar que na prática tais
terras também não poderiam ser griladas (e o são!) e estar por
artimanhas registradas em nomes de particulares, nacionais e estrangeiros[23],
de sorte que se isso ocorre não há dúvida de que poderiam também ser objeto de
usucapião tabular[24],
o que mais complicaria a situação no campo[25] e
o trabalho ne defesa e/ou no resgate do patrimônio público.
Ora, se o constituinte inseriu na Carta
Política de 1988 o citado comando (art. 183, P. 3º) e o Código Civil é de 2002,
este último tem que se adequar ao texto constitucional. Mais do que isso: a
disposição do Parágrafo Único do seu artigo 1.242 não é usucapião típica (que
gera aquisição originária) mas uma modalidade de convalescença registral
impropriamente inserida em meio ao instituto da usucapião, sendo aquisição derivada[26] e
podendo nesse vasto território confundir aplicadores e atores do direito e
gerar esdrúxulas situações. Na verdade, imaginamos ser grave o hipotético argumento
de que sendo a “usucapião tabular” mera convalescença do registro cancelado talvez nem sofresse o alcance do art. 183
da CF/88 e se prestasse à torta e imprópria “aquisição”/legitimação de
terras públicas (devolutas, de fronteira e indígenas) por particulares[27] (consolidando
a usurpação do patrimônio público)!
Na verdade, pode-se defender o
pensamento de que quem comprou mal[28] (pela sua inocência ou iludido por
outrem que tivesse o chamado dolus malus[29] e adquiriu imóvel rural com registro
decorrente de nulidade insanável[30]
do título de origem) e se deparasse com nulidade não poderia pretender se
tornar dono pela usucapião tabular, pois só teria direito à indenização e não à
coisa em si, como estabelece o nosso Código
Civil, art. 182 (“Anulado
o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se
achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente”), servindo a sua inocência
apenas em relação aos frutos e não à
coisa em si, como nos ensina Serpa Lopes[31],
explicando que a nulidade (e ainda
mais a inexistência jurídica) produz efeitos destruidores, retroativos e de
responsabilidade, sendo os primeiros os de que “nada deve restar do contrato,
nenhum efeito, pelo menos futuro, dele pode surgir” exatamente pela ordem
jurídica que alvitra proteger, os segundos para que uma vez anulado o ato
(diríamos declarado nulo) restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele
se encontravam e, caso impossível, indenizar-se-ão com o equivalente (CC/1916,
art. 158, correspondendo ao art. 178, do CC/2002[32]),
o que por vezes deve ser mitigado, diante da ausência de dolo ou culpa do terceiro de boa-fé, para o qual o
festejado autor usa argumento importante, dizendo que “os que estiverem de boa-fé
deverão fruir as vantagens inerentes ao possuidor com tal qualidade, como no
caso dos frutos percebidos, das benfeitorias que fizer”.[33]`[34]
Quanto aos imóveis rurais deve ser
destacado o fato de que em muitos casos essa “grilagem” só se revelará se o
comprador ou o aplicador da lei exigir “toda
a cadeia sucessória do imóvel”[35] para
que se possa aferir com total segurança a cadeia sucessória[36] e
os desmembramentos ou remembramentos que ensejaram o último ato levado a
registro na matrícula, daí partindo em alguns casos até para matrículas e atos
anteriores (infelizmente não é tão raro que alguém compre de particular, que
por sua vez comprou de outro e outro que na origem grilou-a, por meio de
falsidades e fraudes, que os exemplos revelam), fazendo com que “do nada” surgisse o registro “original” de uma
grande área no RGI e onde conste, simplesmente, como se fosse a coisa mais
natural do mundo, o apontamento no campo “registro anterior” de que, não havendo,
fez-se o primeiro registro e abriu-se matrícula, “por se tratar de imóvel adjudicado pela justiça pública”[37]
(há também caso de registro de averbação de “uma guia DARF relativa ao
recolhimento” de imposto![38]).
Portanto, este não é um trabalho sobre o
histórico instituto da Usucapião, tema fantástico e que já se encontra muito
bem abordado por inúmeros autores, estrangeiros e nacionais, clássicos e
contemporâneos, aos quais rendemos nossas homenagens. Este é singelo estudo sobre
a figura da “convalescença registral”, que virou parágrafo de uma das
modalidades de usucapião e que tem uma redação que pode, na prática, permitir
uso desvirtuado dos imaginados altaneiros propósitos do legislador e, acerca
dos imóveis rurais e diante do histórico problema da grilagem de terras
devolutas, de fronteira e indígenas, virar
“sanatória para todos os males” e ensejar a “consolidação da grilagem”.
CONVALESCENÇA
DE REGISTRO CANCELADO? CANCELAMENTO DE CANCELAMENTO? CANCELAMENTO DECORRENTE DE
ATOS NULOS - NEMO PLUS IURIS AD ALIUM TRANSFERRE
POTEST QUAM IPSE HABET
Nossa legislação civil tanto defende as
pessoas de bem e os atos e negócios jurídicos bons, válidos e eficazes que,
como já dito, prevê que “o negócio jurídico nulo não é suscetível de
confirmação, nem convalesce com o decurso do tempo” (Código Civil/2002,
art. 169).
Sobre aquela sólida determinação, temos
que o próprio Código Civil aponta que apenas os atos anuláveis são passíveis de
sanatória (CC, artigo 172: “O
negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.”).
Ora, antes
de avançar, temos que pensar que nulos serão os atos que contenham “nulidades
absolutas” enquanto os atos anuláveis serão os que revelarem “nulidades
relativas”, forma com que a respeito se expressa o Código Alemão[39],
que fortemente inspirou o Código Civil de 1916, que por sua vez se renovou no
Código Civil de 2002[40].
De fato, os
atos nulos são imprestáveis e assim serão declarados, mas os atos anuláveis
poderão até ser ratificados do modo tratado no atual CC/2002 (art. 172. “O negócio
anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”) que praticamente repete o que dizia o anterior
CC/1916 (art. 148. “O ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo
direito de terceiro. A ratificação retroage à data do ato.”).
Aliás, é digno de lembrança que Clóvis Beviláqua, autor do anteprojeto
do anterior Código Civil, dizia que as nulidades (absolutas, segundo o direito
alemão) prescreveriam em 30 (trinta) anos, já que era o maior prazo do anterior
CC, o que o grande jurista Pontes de Miranda considerou um “absurdo”,
porquanto o ato praticado por louco etc “não prescreve nunca” e dizendo que o que prescreve são as ações e
que no caso não há ação propriamente dita, mas mera “alegação e o juiz poderá declarar o ato nulo tão logo o conheça e bem
assim os seus efeitos”.[41]
Neste
sentido, a doutrina é clara quando aborda vícios como a simulação, mas por
conveniência elegeremos a linha de argumentação de Serpa Lopes[42]
que nos diz que “o negócio absolutamente
simulado nada tem de real; além do ato simulado, nada mais se vê: colorem
habet, substanciam vero nullam”, destacando argumento de Butera no sentido
de que “é sombra de si mesmo, representa
um ato que não existe, ou seja, um ato nulo mais por falta de conteúdo do que
por defeito da forma”.
Não nos
percamos no estudo de como as fontes cuidam do conceito de nulidade (que
utilizaremos na abordagem de Serpa Lopes que, a respeito, cita Martinho Garcez),
tratando-o como “vício que impede um ato
ou uma convenção de ter uma existência legal e produzir um efeito” que
diríamos jurídico, pois é crível que “o ato nulo não produzirá “efeito jurídico”
(CC, art. 169) e sim reflexos e “conseqüências (antijurídicas), que podem tumultuar o ambiente social.
A função da nulidade consiste em “tornar sem efeito o ato ou negócio jurídico”,
de tal modo que “este desaparece, como se
nunca houvesse existido” o que evidentemente cresce em clareza quando também o defrontamos com o
ato ineficaz, posto que este último possa ser bifronte, ou seja, com validade
entre os contratantes mas ineficácia total em face de terceiros, de sorte que “os efeitos da nulidade são diversos dos da
ineficácia. Contudo, na nulidade a sua
sanção consiste na supressão dos efeitos do negócio jurídico, mesmo inter
partes”[43]. Mas casos há em que a nulidade é tão absurda e contrária à ordem
vigente que o que se tem é um efeito maior, o de inexistência do ato (cujos traços característicos são: independer
de ação judicial; poder ser alegado por qualquer pessoa; ser completamente
vazio de efeitos; ser impossível de ser confirmado ou ratificado; impossibilidade
absoluta de prescrição)[44].
Nos
procedimentos da Lei 6.739/79, que
prevê possibilidade de declaração de inexistência e nulidade da matrícula e do
registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito ou feito em
desacordo com artigos 221 e seguintes da lei 6.015/73, nada mais, em tempo
algum, a respeito remanescerá[45],
de modo que neste caso como imaginar hipotética alegação da “usucapião
tabular”? A resposta tem de ser no sentido de se lhe negar a usucapião, já que a terra nunca foi particular como
parecera, mas pública e grilada...
Com isso,
mais uma vez temos que não ensejará
usucapião tabular qualquer cancelamento de registro imobiliário que esteja em
nome de particular! Aliás, o mesmo se dará com os cancelamentos
determinados por decisão judicial
(Lei de Registros Públicos, art. 216) que atingir o título causal do registro cancelando.
Assim é o sistema,
quanto aos vícios do registro: (a) nulidades de pleno direito do próprio
registro, invalidam-no, independentemente de ação direta (LRP, art. 214),
podendo o cancelamento ser determinado pelo Juiz Corregedor e
administrativamente (ato administrativo nulo[46],
em sede de auto-tutela – Súmulas do STF, verbetes 346 e 473); (b) nulidade
tamanha que tenha equivalência de inexistência do registro pode ser reconhecida
também pelo Juiz Corregedor, embora haja quem defenda que deva ser feita
judicialmente (LRP, art. 216); c) cancelamento (reconhecimento da inexistência
jurídica) da matrícula, o que só ocorre quando a nulidade for da própria
matrícula[47] (d) cancelamento do
registro (LRP, art. 253) por decisão judicial (art. 253, I), quando em virtude
de alienações parciais o imóvel tenha sido inteiramente transferido para outros
(art. 253, II), como nos casos de divisão de herança, de loteamentos etc e pela
fusão (art. 253, III), esta nos termos do art. 250 da mesma lei (aliás, este
artigo também trata do cancelamento, novamente dispondo sobre decisão judicial:
art. 250, I) e falando que por requerimento de todas as partes (art. 250, II)
ou do interessado (art. 250, III) e, por fim, por requerimento da Fazenda
Pública, em decorrência de conclusão de processo administrativo em se tenha a
rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso do imóvel
rural, expedido para fins de regularização fundiária, com a reversão do bem ao
patrimônio público; e) para os imóveis rurais, são declarados nulos e
inexistentes os registros vinculados a títulos nulos de pleno direito ou feitos
em desacordo com os arts 221 e seguintes da Lei 6.015/73, por ato do Corregedor
Geral da Justiça, nos moldes preconizados na Lei 6.739/79[48].
Curioso
notar que o cancelamento é definitivo,
só podendo haver o cancelamento do cancelamento
do registro se este foi nulo[49]
e por aí bem se vê como os temas são complexos... Ora, imagine-se o cidadão
postular a usucapião tabular diante do cancelamento do registro (preenchidos os
demais requisitos, claro) e de repente se cancela aquele cancelamento pelo
reconhecimento de vício existente! E, além disso, se cancelado o registro apenas
e não o título nada impede que o interessado o apresente para novo registro[50],
que produzirá efeitos a partir da sua realização (LRP, art. 254) e não “convalescendo” o anterior (a propósito,
merece o destaque: nem aí se faz o convalescimento administrativo...)!
Notemos ainda
que se o ato é juridicamente inexistente
nenhum efeito ou conseqüência poderá produzir no mundo jurídico!
Evidentemente é de interesse prático ter clara a distinção entre ato nulo e ato
inexistente, porquanto aquele pode ocorrer com um ato onde houve vontade
manifestada sem plena liberdade ou por incapaz, ao passo que o ato inexistente sequer pode ser
considerado com efeitos ou conseqüências jurídicas! Como vimos, Serpa Lopes
dizia que “do ato inexistente nenhum
efeito é possível surgir”[51] e são imprescritíveis, o que deve ser
compreendido como sendo também insuscetíveis
de convalescimento.
É crível
que é a “ordem jurídica” o bem jurídico
tutelado quando se espurga da realidade os atos nulos e os atos inexistentes.
A questão
não pode ser analisada superficialmente e no mais das vezes exigirá que se verifique
se está correto o “destaque” da área de terras do patrimônio público para o
particular! De qualquer maneira, insistimos, não é meramente alegando ter formalmente
cumprido o disposto no art. 1.242 do CC (c/c o P. 5º, do Art. 214, introduzido
pelo artigo
59, da Lei 10.931/2004, que parcialmente alterou a Lei 6.015/73) que se deverá obter a usucapião tabular
quando envolver imóveis rurais, principalmente de grandes áreas.
Esta lógica
nos chega desde os romanos, com o brocardo Nemo plus iuris ad alium transferre potest
quam ipse habet (não se pode
transmitir mais direitos do que se possui).
Será que se
após cinco anos de vigência de um registro imobiliário viermos a nos deparar
com o seu cancelamento ou declaração de inexistência jurídica e constatarmos
que aquele decorreu de uma escritura
feita por quem nunca foi dono e tendo por objeto terra que nunca pertenceu ao
vendedor e definindo “fazenda” que nunca existiu[52]
(grilada), poderia ainda assim o comprador ou sucessor deste noutra escritura
onerosa invocar a usucapião tabular (CC, art. 1242, P. Único), por ter aparentemente
(apenas aparentemente) cumprido o que diz aquele artigo ou sofrerá as conseqüências
do art.169, do Código Civil? Essa escritura, com as nuances exemplificadas, não
seria um ato inexistente, mais que um ato nulo? Como então se admitir
produzisse efeitos jurídicos para gerar o “convalescimento” de um registro
porventura feito e sabe-se lá como (já que o sistema é causal), decorrente de
escritura com tantos vícios e até criminosos (citamos exemplo) e numa situação
em que não se trataria mesmo de usucapião[53]?
A doutrina vem chamando de usucapião
tabular essa novidade introduzida no sistema jurídico brasileiro, festejando-o
como de elevado propósito em prol dos chamados terceiros de boa-fé e importante
e verdadeiro instrumento de “convalescença registral”, mas penso que haja
outros aspectos a ser considerados.
É importante que seja atentamente lido o
art. 1.242, Parágrafo Único, do Código Civil e se perceberá que ele realmente não
se encaixa perfeitamente no sistema (o imóvel é adquirido “com base” em título
e não em registro) e nos demais artigos que tratam da usucapião, com isso
criando o legislador uma figura jurídica que não tinha precedentes no sistema
brasileiro anterior, pois dela não cuidou o Código Civil de 1916. E mais: a cogitada
possibilidade de convalescença registral foi introduzida sem que o sistema jurídico viesse a ser antes reformulado e de sorte
que se dotasse os registros imobiliários com a pureza do sistema alemão[54] -
detalhe que nos chama atenção, pois é sabido que naquele país o registro, além
de não ser causal como no sistema brasileiro, só comporta a solução tabular no prazo de 30 anos (e não no de 05 anos da nossa lei).
Curioso o fato de que o prazo seja tão
longo logo na Alemanha, onde o sistema registral é tão seguro.
Mas o que se espera do registro? Em
apertada síntese, que seja seguro e eficiente (devendo cega obediência aos
princípios constitucionais que o regem, hoje expresso no art. 37[55]´[56],
da Constituição Federal) e com perfeita compatibilidade com a legislação
aplicável.
Já que falamos em “tabular”, com forte
influência do sistema alemão (embora, frisamos, diferente do nosso), importante
que sobre registros e sua função social conheçamos pensamentos do alemão Heinrich
EwaldHörster[57],
como citado no Parecer aprovado pelo “Conselho Técnico da Direcção-Geral dos
Registos e do Notariado”, em sessão de 01.07.2003[58],
tendo sido relator João Guimarães Gomes de Bastos, do qual destacamos aqui
breve trecho, para adiante comentar, in
verbis:...”«esta solução
compreende-se exactamente em atenção à finalidade do registo: como o registo se
destina a dar publicidade aos direitos constituídos, resultantes dos factos
jurídicos e inerentes aos objectos a que estes factos dizem respeito, antes do
registo os terceiros não precisam
conhecer os factos; por isso, estes factos e os respectivos direitos
deles resultantes apenas lhes são oponíveis depois do registo». O nosso regime
do registo distingue, pois, entre a eficácia inter partes e a oponibilidade dos
factos jurídicos a terceiros. É nesta distinção e na aludida fé pública que
radica a possibilidade da existência de situações em que uma pessoa «adquire
direitos de quem carece de poderes para dispor deles ou, embora podendo, tinha
a obrigação de não dispor»...«o regime do registo pode conduzir a um resultado
diferente da Estes são apenas dois exemplos de uma enorme mancha de hipóteses
que se podem configurar em que o regime do registo – fundado na distinção entre
eficácia inter partes e oponibilidade a terceiros”.
Fácil perceber que o sistema registral
citado pelo festejado jurista alemão, corroborado pela decisão do citado
colegiado, já aqui revela a grande diferença do sistema brasileiro, porquanto lá
decorrem do ato do registro a eficácia inter
partes do negócio jurídico (compra e venda etc) e também a eficácia erga
omnes, enquanto no direito brasileiro a
eficácia interna do negócio é decorrente da própria fonte de obrigações
(contrato etc) ao passo que é apenas a eficácia erga omnes que decorrerá do ato do registro.
Isso demonstra que são duas realidades inconciliáveis e que não se
pode, portanto, extrair de uma um texto e enxertá-lo noutro sem riscos de se
causar uma balbúrdia no sistema. O
sistema jurídico é como uma teia de aranha, onde cada nó tem relação com
outros (tanto maior quanto mais próximos forem) de forma que ao se tocar um dos
nós causar-se-á vibração nos demais. Não há como se mexer isoladamente em um
instituto, princípio ou preceito legal sem gerar insegurança ou complexas
confusões ao atingir outros, já que não haverá um que esteja desconectado dos
demais[59],
devendo haver, ademais, coerência e unidade entre seus componentes do sistema.[60]
Além disso, ainda tem uma redação que se
nos apresenta um “tipo aberto”[61], porquanto, se aplicada como solução
para “todos os casos” parece ter capacidade de enfraquecer a força e eficácia
do art. 214, da lei de registros públicos (situação modificada depois, pelo art.
59, da Lei 10.931/2004, que parcialmente alterou a Lei 6.015/73, na redação do seu
cogitado art. 214 para, na nova redação atribuída ao seu Parágrafo 5º, dispor
novamente sobre a usucapião tabular).[62]
Mas penso que aqui a disposição legal é fora do contexto, pois consta “em disposições transitórias” e em lei
que não tinha a priori intenção de
mexer no tema, além do que entendo que a nulidade aqui retratada só poderá ser
a do registro[63]
e não a do título que lhe deu causa, pois caso
contrário estará sendo legitimado e incentivado o crime[64]`[65],
o apossamento de terras públicas[66],
a apropriação e condutas por vezes violentas e raramente noticiadas, o crime no
campo contra a população nativa e suas culturas, a irregular aquisição de
terras por estrangeiros, o desmatamento abusivo e contrariando até mesmo a
idéia de “garantia” alvitrada por aquela norma.
A propósito, num sistema sem a mesma
segurança do alemão e falando em títulos e cédulas (letra de câmbio imobiliária
e cédula de crédito imobiliário e afins) e no mercado financeiro tratados
naquela lei[67]
parece-nos que há alguma semelhança dessa lei com os altaneiros propósitos da Lei de Terras de 1.850, que acabou focando
num cadastramento geral dos apossamentos com foco fiscal e não a gerar direitos à titulação, como alias a respeito se escreve
e já se decidiu em nossos tribunais, inclusive no sentido de que já “em 1847 a venda de posse de terras do valor
de 500$00 não podia ser feita por escripto particular. O registro do vigário não é titulo de domínio”[68] e o Registro Paroquial tinha efeitos meramente estatísticos, como
dizia o Decreto 1.318, em seus artigos 93 e 94[69],
devendo ser enaltecido o fato de que o Vigário não podia recusar as declarações
do interessado, mesmo que as estranhasse.[70]
Observemos que já se ensinou que “nem mesmo a posse era hábil tal registro a
demonstrar” (Altir de Souza
Maia[71]).
Em resumo, até hoje há divergências e problemas de interpretação, o que em
parte parece que o futuro talvez reserve à usucapião tabular e ao que a citada
Lei 10.931/2004 acabou focando.
Sobre a Lei de Terras e acerca mesmo da
sua utilização a realidade cobrou o seu preço, como afirma Tomaz Pará Filho, já
que, impotente, o governo “dobrou-se
diante desse fato da ocupação”[72] e
do coronelismo. Será que algo parecido ocorreria em decorrência da usucapião
tabular de modo a acobertar eventual fraudulenta origem de falsos (grilados)
títulos[73]?
Aliás, interessante perceber que “o mero registro não expurga o título de
suas imperfeições nem supre a capacidade de disposição do transmitente”,
como ensinou o Doutor e Mestre em Direito Constitucional e Desembargador
paulista, José Renato Nalini[74].
Consideremos que talvez fosse solução
justa para reais circunstâncias relacionadas ao adquirente de pequeno lote
urbano (com até 250m2, como fez a Lei 12.424/2011)[75]
ou de pequena área rural (até o tamanho da menor gleba rural da região), mas
por peculiaridade específica e hábil a uma proteção diferenciada, inerente à uma
hipossuficiência de informação e jurídica, já que por sua não riqueza talvez
não tivesse o pequeno produtor/lavrador-adquirente contado com orientação
jurídica quando da assinatura do contrato/escritura (titulo oneroso, que exige
o usucapião tabular), o que não se aplicaria ao abastado e suas grandes
extensões de terras, fruto de bons negócios mas por vezes com remota e
histórica eventual indevida apropriação de terras públicas e grilagem
qualificada de milhares e milhares de hectares, em situação que talvez não
permita nem demonstrar corretamente a constituição da área tida como particular
e a forma pela qual originalmente a mesma se destacara do patrimônio público.
Aliás, só para registrar, recentemente se admitiu a correção com o cancelamento
administrativo do registro (feito com base na Lei 6.739/79) pela anterior não
demonstração, em sede administrativa, da regularidade da cadeia dominial
das várias glebas que, somadas, chegam a cerca de 120.000 (cento e vinte mil)
hectares[76],
embora registradas por décadas[77].
Além disso, merece especial atenção que,
no Relatório Final da CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a
investigar a ocupação de terras públicas na Região Amazônica[78],
criada em 2000, conste, in verbis:
... “cancelamento, de mais de trinta e sete milhões de hectares
de terras, correspondentes a imóveis indevidamente matriculados e centenas
de glebas desmembradas através do registro das correspondentes matrículas”
(fls. 45 – destacamos e grifamos)... Também importante e fundamental a decisão do
CNJ – Conselho Nacional de Justiça que, nos autos do Pedido de Providências - PP n.
0001943-67.2009.2.0.0000, determinou o cancelamento
de 5,5 mil títulos irregulares no Estado do Pará (grilados).[79]
Outro exemplo extremo e útil para nossas
reflexões é o caso do cancelamento dos títulos e registros das áreas demarcadas
em 1938 e que foram declarados nulos por integrar área de reserva indígena,
conforme decisão do STF – Supremo Tribunal Federal, nos autos do julgamento do
processo que cuidou da demarcação da Reserva Indígena “Caramuru-Catarina-Paraguaçu”,
no sul da Bahia.[80]`[81]
São incontáveis os exemplos de registros
imobiliários com defeitos próprios ou principalmente do título que lhes deu
origem, de sorte que muito se deve refletir sobre a aplicação e a redação do
tão citado Parágrafo Único, do art. 1.242, do CC.
Curioso que a hipótese nos faça recordar
o princípio de que “ninguém pode vender o
que não tem” (como bem reconheceu o STJ[82]
sob a Relatoria do Min. Luis Fux, constando no Acórdão que “a alienação pelo Estado da Federação de
terras de fronteira pertencentes à União é considerada transferência a non domino, por isso que nula”) e
o adágio popular que diz que “quem paga mal paga duas vezes”. A
jurisprudência acolhe a idéia quando o devedor busca se desobrigar dizendo que
pagou a alguém mas não ao próprio credor [83]
na medida em que quem comprou mal não pode simplesmente se “dar bem” quando
toda a questão se revela viciada. A propósito, deve causar ao menos dúvida no
adquirente quando o vendedor na escritura disser que “não responde pela
evicção”... De sorte que soa de mau tom a tentativa de permitir que mesmo um
registro de ato impróprio (venda por quem não era dono, venda de terra pública
travestida de privada etc) ou objeto de crime (falsificação de documentos)
possa ser simplesmente convalescido - e
sem mais profunda análise - pelo decurso de um curto prazo de cinco (05) anos
de vigência do registro!
Ousaria até considerar que a questão não
pode ser avaliada isoladamente, como se o usucapião tabular fosse um problema
“apenas de ordem registral” e daí o nome “tabular” [84],
pois assim desprezaríamos a realidade
fática, social, a história jurídico-política da construção do patrimônio
público e privado no Brasil e a realidade grave, gravíssima, danosa em vários
sentidos, da grilagem de terras! Aliás, no
Estado de Mato Grosso do Sul já há
precedente negando o reconhecimento da nulidade do título quando confrontado
com pretensão de usucapião tabular! [85]
Alertamos aqui que ao argumento de que se trata de terra pública e, portanto, impossível
de ser usucapida[86], deve-se responder com o simples fato de
que pelo mesmo motivo também não poderia ter sido grilada.[87]
Assim, com a devida atenção, é de notar-se
que o disposto no Parágrafo Único, do Art. 1.242, do Código Civil/2002 (e cuja
elasticidade foi fortalecida pelo que consta na citada Lei 10.931/2004) acaba por permitir que também
latifundiários dele busquem se utilizar sempre que seus registros vierem a ser cancelados,
exatamente por não ter limites de área ou balizamento objetivo o preceito em
comento (diferentemente do que fez depois o legislador, na Lei 12.424/2011[88] –
que trata da figura da “usucapião tabular familiar” recém criada).
Algo ainda nos parece “fora do lugar”! Ademais,
forçar fazer prevalecer a tal “função social” quando meramente “aparente” a
propriedade diante da usurpação da terra pública é fazer erodir o sistema, ao
invés de preservá-lo, não sendo demais dizer que - apesar de ser outra situação
- o STF, ao reconhecer a Reserva Raposa Terra do Sol não só determinou a
desocupação dos antigos moradores (que produziam e moravam lá há décadas) como
a “perda da safra” de arroz[89] e
aqui diante de fato novo superveniente (demarcação da reserva indígena[90]).
É como se tivesse mais “valor jurídico” o que se produz (mesmo que, com a mundialização
do capital, o lucro em grande parte seja remetido ao estrangeiro pelas
multinacionais do agronegócio[91] e
haja não nacionais proprietários de quase quatro milhões e meio de hectares de
terra brasileira - algo equivalente ao tamanho da Suíça ou do Rio Grande do
Norte, de acordo com dados do INCRA e como noticia a Câmara dos Deputados[92] -
do que à exploração ilegal das riquezas das terras brasileiras ou às florestas
devastadas e a ilegal usurpação do patrimônio público.
A propósito, a ninguém é dado se
beneficiar da própria torpeza[93] e usucapir o produto de
crime[94], além do que os atos
nulos não podem produzir válidos efeitos, como estatui a lei civil (art.
169, CC)[95] - como já antes abordamos - e nos traça um princípio orientador da boa interpretação
do nosso sistema jurídico, da doutrina e a jurisprudência.
FUNÇÃO
SOCIAL DE QUAL PROPRIEDADE?
Só se pode falar em função social da
propriedade “privada” se realmente houver uma “propriedade privada”, ou seja,
se esta regularmente ingressou no patrimônio particular, tendo sido
corretamente “destacada” do patrimônio público. A terra pública ilegalmente
usurpada pelo grileiro acaba não podendo ser devidamente tratada pelo Brasil e
também assim não cumprirá uma sua função social. Assim, havendo grilagem, sob qualquer enfoque é crível que a terra não
poderá cumprir sua função social[96]!
Vejamos bom exemplo de situação assim identificada
em caso concreto que há anos ocorreu no Estado de Goiás, onde houve indevida
apropriação enorme área pública e primeiro tentou-se o cancelamento do registro
com base na Lei 6739/79, negada em princípio pelo TJ-GO.[97]
Mas, num segundo momento, via Ação Discriminatória[98]
transitada em julgado, foi cancelado o registro da área imensa[99] (com
cerca de 32.250 hectares ou 6.663
alqueires)[100]
e que estava indevidamente em nome de particulares, sendo interessante notar
que com o seu retorno ao patrimônio público o Estado de Goiás a
vendeu a 48 (quarenta e oito) famílias que lá originalmente já há décadas
residiam e que sofreram esbulho na sua posse por parte de pessoas que se diziam
proprietárias[101], de sorte a cumprir sua função social![102]
Claro que aqui não é lugar para se
estudar o tema, mas pensamos que só se pode falar em “função social” como uma conseqüência
(posterius) de terra legitimamente
destacada (prius) do patrimônio
público! Terra usurpada por particular e objeto de aparente aquisição viciosa, ainda que sirva à plantação ou criação, não
pode ser destinatária do conceito de “função social”!
A
CF SÓ VEDA A USUCAPIÃO DE TERRA PÚBLICA E NÃO A CONVALESCENÇA REGISTRAL QUE, SENDO
AQUISIÇÃO DERIVADA, NÃO É TECNICAMENTE USUCAPIÃO.
Sabemos que não pode haver usucapião de
terras públicas (e curiosamente a Lei de Terras de 1850 já previa que só se
adquiririam por compra as terras devolutas).[103]
Todavia, tenhamos a sensibilidade para
perceber que a convalescença do registro é uma “aquisição derivada”[104] já
que baseada no próprio registro cancelado em nome do que se dizia proprietário e
não é usucapião propriamente dito, pois este é instituto histórico que se ocupa
de aquisição originária.
Assim, poder-se-á pretender alegar que
não há vedação constitucional para tanto já que não é usucapião típico mas mera “convalescença registral”, sobre a qual
não incidiria a vedação constitucional (art. 183 da CF/88)! Nessa absurda
hipótese e não de difícil ocorrência, tal instituto se prestaria à torta
aquisição de terras públicas! Mas tecnicamente tal situação é de nulidade (equivalendo à inexistência) e o Código
Civil vigente diz que o ato nulo não pode convalescer (CC, art. 169)!
USUCAPIÃO
TABULAR – CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS
Focamos até aqui mais na questão do
cancelamento do registro. Todavia, se o STJ
já decidiu que negócio fraudulento não é “justo título” [105]´[106]`[107] então precisamos analisar as condições
que o legislador exigiu ao ousar introduzir este instituto sem paralelos em
nosso sistema: 1º) aquisição a título oneroso (o que já afasta as questões
sucessórias etc) e “com base” no registro constante do respectivo cartório,
cancelado posteriormente à aquisição – embora ninguém adquira imóvel com base em registro e sim com base em título (“causal”,
como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal)[108];
2º) cancelamento do registro após cinco anos de vigência (pensamos: cancelamento
“do registro” por vício do próprio e não por vício do titulo que lhe deu origem).
Indagamos se prevaleceria a usucapião tabular (diante da ocorrência das
condições formais) em caso de anterior ajuizamento de ação anulatória[109]
e/ou ação discriminatória sub judice –
pensamos que não, pois do contrário o provimento jurisdicional destas se
tornaria ineficaz e ficaria afastado o direito de se recorrer ao Judiciário,
cujas respostas não são tão rápidas quanto desejável[110];
3º) que o interessado tenha feito do imóvel moradia ou realizado investimentos
de interesse social ou econômico (notemos que nem se exige que a moradia ou os
investimentos tenham vigido isoladamente pelos cinco anos), mas sem defini-los,
ficando a dúvida se bastariam cercas e plantações ou se teria de haver galpões,
silos, estradas ou casas, o que levou à crítica feita por Caio Mario da Silva
Pereira[111].
Lembrando que os bens públicos são insuscetíveis
de usucapião (CC, art. 98 c/c CC, art. 102 e CF/88, artigos 183, P 3º e 191)
não pode servir como causa para descanso ou descaso na análise de hipóteses,
pois pela mesma condição de bens públicos também
não poderiam ter sido grilados!
Muito também se fala na controvérsia
sobre a venda a non domino, ou seja,
a compra de quem não era o verdadeiro proprietário, hipótese em que uns
defendem que por ser título putativo[112]
não pode ter o condão de permitir a usucapião tabular pois em verdade nunca foi
“hábil a transferir o domínio”, de sorte que mesmo se registrado fosse, o seu
posterior cancelamento não representa aquele que a usucapião tabular exige. Há
controvérsia na doutrina sobre tal aspecto: Orlando Gomes (Direitos Reais, cit.
P. 194) entende que a ineficácia pela falta de qualidade do transmitente não
poderia ensejar a usucapião enquanto há quem pense que subsistiria mesmo assim
a boa fé capaz de permitir a usucapião tabular, pois o pretendente teria
confiado na “aparência de legalidade e
segurança do registro”.
Pedimos licença para abordar a idéia de que
quem comprou mal e descuidadamente (provavelmente dispensando as certidões
negativas e de quem não respondia pela evicção) assumiu um risco significativo
e suficiente para afastar a hipotética
boa-fé na segurança do sistema registral, de sorte a não se lhe permitir
alegar e postular a usucapião tabular (até pelo fato de que a grilagem não é
incomum no campo e o registro imobiliário convencional não tem a segurança do
Registro Torrens!).
EVICÇÃO
E USUCAPIÃO TABULAR
Por fim, talvez haja um conflito também
deste instituto com a evicção – clássica figura da tradição do direito civil e tratado em dez artigos do novel Código
Civil (artigos 447 a 457) - pois poderia
o interessado optar pela usucapião tabular no lugar de demandar a evicção?
Isso importaria numa hipotética futura praxe
que esvaziaria o instituto da evicção?
CONCLUSÃO
CRÍTICA E SUGESTÕES
Assim, é crível que a redação do Código
Civil, quando trata da usucapião tabular (CC, art. 1.242, Parágrafo Único)
poderá na prática significar o reconhecimento
da impotência e incapacidade do Brasil em combater a grilagem de terras
públicas (e em adotar um mecanismo de sorte a contornar os vícios e a
insegurança do sistema e do registro imobiliário pátrio), como se a usucapião
tabular tivesse a qualidade de uma “borracha”
passada em nossa história para que
doravante os que já ocupam terras públicas irregularmente possam vir nelas se
manter perpetuamente, ainda que registros venham a ser cancelados!
Desse modo, para que o sistema jurídico
brasileiro recebesse corretamente a usucapião tabular, seria necessário que antes
muito se modificasse o sistema registral ou se adotasse para os imóveis rurais a
obrigatoriedade do Registro Torrens, além de se fixar que o cancelamento do
registro que pudesse ensejar a usucapião tabular fosse apenas decorrente de vicio do próprio registro e nunca do
título que lhe deu origem (assim se afastam os grilos e não se contradiz o teor
da Lei 6739/79 nem o Art. 214, da Lei 6.015/73 – lei de registros públicos – e
não se sufoca e neutraliza o histórico trabalho das prestigiosas procuradorias[113],
dos órgãos públicos que atuam e atuaram no setor e do INCRA) e ainda que para a
pretensão de usucapião tabular houvesse obrigatório pronunciamento das
Procuradorias dos Estados, da União ou do Distrito Federal, conforme o caso,
com a determinação de que se
ajuizasse ação discriminatória e se formulasse pedido de cancelamento do
registro atacado se a análise da cadeia sucessória e até a origem do imóvel não
revelasse correto o “destaque” do mesmo do patrimônio público.
Ante as dificuldades, talvez fosse o
caso de se ajustar de imediato a redação do art. 1.242, do novo Código Civil
segundo a sugestão que formulamos, apenas para que se alterasse a redação
original e se dissesse que “se aplicaria apenas aos imóveis urbanos” (o
que já por si afastaria sua aplicação a todos os imóveis rurais,
independentemente do tamanho), algo que a própria CF/88 fez ao tratar da
usucapião urbana de área não superior a 250m2 (art. 183, caput), mesmo limite recém utilizado pelo legislador, na Lei
12.424/2011[114]
(art. 9º) que introduziu o art. 1.240-A no Código Civil.
Quem sabe assim doravante não
protegeremos melhor as terras públicas contra impróprias investidas de
particulares.
________________________________________________________________
BIBLIOGRAFIA:
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Brasília:
- Autos da CPI da Venda de Terras a Estrangeiros”; Congresso
Nacional (1967) – 8 volumes;
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Min. José Carlos Moreira Alves, j. 23.3. 1983.
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-
Autos do RMS 32227-AM – STF.
Bahia:
-
Autos do Processo 8756/80, no Tribunal de Justiça da Bahia;
-
Provimento 04/81, de 03.06.1981, do Corregedor Geral do Estado da Bahia.
- Autos da Ação Anulatória 0007034-44.1982.8.05.000,
da 1ª Vara da Fazenda de Salvador/BA.
Goiás:
-
Autos da Ação Penal 44, de
competência originária do Tribunal de Justiça de Goiás - TJ-GO, onde foram réus
juiz, ex-senador e ex-deputados federais, advogados, serventuários e outros.
- Acórdão na Ação Rescisória 5446, Rel. Mauro
Campos, j. em 17.6.1987; Ementa publicada em 13.8.1987 (DO 10162 - fls. 02);
- Sentença de 08.6.1981, Comarca de Formosa, nos
autos da Ação Discriminatória movida pelo Instituto do Desenvolvimento Agrário
de Goiás – IDAGO, transitada em julgado pela intempestividade da Apelação,
conforme consta do Acórdão datado de 25.6.1984 (TJ-Goiás, Rel. Des. Messias de
Souza Costa);
- TJ, Tribunal Pleno, Acórdão unânime no Recurso
Administrativo 71 (de 08 de outubro de 1980), do Instituto do
Desenvolvimento Agrário de Goiás – Idago.
Pará:
- Sentença da 9ª. Vara Federal do Pará, proferida
em 25.10.2011, nos autos do Processo 44157-81.2010.4.01.3900, com 21 laudas,
cancelando matrícula e averbações dela decorrentes feitas no RGI do Cartório de
Altamira/Pará.
JORNAIS IMPRESSOS:
- Correio Braziliense, “Fazendeiros terão de sair
até abril”, por Leonel Rocha, 26.3.2009
- O Globo, “MT: exploração ilegal de madeira
cresce 63%”, por Cleide Carvalho, 10.3.2014.
MATERIAL PESQUISADO NA
INTERNET:
-
“Isso aqui é Brasil, diz fazendeiro sobre
grilagem de terras devolutas” – Paulo Peixoto, 10.10.2013. Site http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/10/1354667-isso-aqui-e-brasil-diz-fazendeiro-sobre-grilagem-de-terras-devolutas.shtml
(acesso em 13.3.2014)
- Relatório
Final da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a ocupação de
terras públicas na Região Amazônica - http://arisp.files.wordpress.com/2009/10/33421741-relatorio-final-cpi-terras-amazonas-grilagem.pdf
-
Estado do Pará – Pedido de Providências – Requerimento
http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2009/pdfs/pdf2/Pedido_providencias_CNJ.pdf
-
Câmara dos Deputados – Tramitação do PL 2.109/99, que deu origem à Lei Federal
10.931/04 - http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2004/lei-10931-2-agosto-2004-533165-norma-pl.html
-
Lei de Terras de 1.850 (Lei 601, de 18.9.1850) - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm
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Decreto 1.318, de 1.854 (que regulamenta a Lei 601/1850 - Registro Paroquial) -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/Anexos/RegulamentoD1318-1854.pdf
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Deputados/25.7.2011 – 4,5 milhões de hectares de terras de estrangeiros - http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/200262-
RESTRICAO-A-COMPRA-DE-TERRAS-POR-ESTRANGEIROS-E-PRIORIDADE-DE-COMISSAO.html)
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(consulta em 17.12.2013)
-
“MPF pede execução de sentença que
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“territórios da Holanda e Bélgica juntos” – fonte Assessoria de Comunicação do
MPF do Pará – publicado em JusBrasil Notícias, em 21.11.2013
JURISPRUDÊNCIA
ANALISADA:
-
STF - Pleno, ACO 312/Ba, Relator Min. Eros Grau; Relator para Acórdão Min. Luiz
Fux, julgamento em 02.5.2012 – site do STF.
-
STF/Pleno, Acórdão proferido nos autos da Representação de
Inconstitucionalidade 1.070-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 23.3.1983.
-
STJ/1ª Seção, ERESP 970.832-PR, Rel. Min. Luis Fux, j. 10.2.2010.
-
TJ-SC, Acórdão: Apelação Cível n. 2006.015791-2,
de Lages/SC, Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 27.07.2006.
-
TJ-MS - 3ª. Turma Cível, Ap 20110010476/000000, Rel. designado Des. Rubens
Bergonzi Bossay, j. 02.8.2011 – fonte
http://www.tjms.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=219668&vlCaptcha=bzqem)
-
STF, ERE 52331-PR, Re. Min. Evandro Lins e Silva, DJ 30.3.1964. ...II - Os bens públicos imóveis da União não podem
ser adquiridos por usucapião (CC, art. 67, Dec 22785/33, DL 9760/46, art. 200),
ressalvados os casos de praescriptio longissimi temporis, a de 40 consumado
antes de 1917 e os do art. 5º, “e”, do DL 9760/46, III”.
-
TJ-SP, Acórdão unânime, Apelação 12007, j. 14.5.1936, Min. Costa e Silva, Rel.
Designado, in Revista dos Tribunaes,
Vol. LX, fascículos 324/325, p. 78/88
-
STF/Pleno, ACO 312/Ba, Rel. Min.
Eros Grau; Rel. Acórdão Min. Luiz Fux, j. 02.5.2012.
-
STJ/1ª Seção, ERESP 970.832-PR, Rel. Min. LuisFux, j. 10.2.2010.
-
STJ, Resp 661858-PR, 3ª T, rel. Min. Castro Filho, DJU 15.8.2005
-
TJRJ; processo 0005705-19.1996.8.19.0000 (1996.001.03734)
- Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Gustavo Itabaiana; Julg. 20/08/1996 – consulta
ao site do TJ-RJ, em 09.4.2014 (n.g.)
-
STF, ADI 4629
LEGISLAÇÃO
- Constituição Federal de 1988
- Lei de Terras de 1850 (Lei no 601, de 18 de setembro de 1850)
- Regulamento da Lei de Terras (Decreto nº 1.318 – de 30
de janeiro de 1854)
- Código Civil de 1916
- Código Civil de 2002
- Lei 10.931/2004
- Lei 6.015/73
- Lei 6739/79
- Lei 12.424/2011 (art. 9º)
[1] O termo Grilagem aqui é empregado para
indicar procedimentos de irregular ou ilegal apropriação privada de terras
públicas.
[3] Sobre a
Nota 2, consta da Sentença da 9ª. Vara
Federal do Pará, datada de 25.10.2011, que cancelou a matrícula e
averbações no RGI e adotou outras medidas: ... “fraude cartorária que resultou na constituição de aparente
propriedade particular de mais de quatro
milhões e meio de hectares, incidentes sobre terras públicas da União e do Estado”...“registro ideologicamente
falso”... “de uma suposta inscrição do imóvel no INCRA que nunca existiu.”...
“averbou a pretensa inscrição na matrícula do imóvel com fulcro simplesmente em
uma guia DARF” relativa ao
recolhimento do “ITF – averbação AV-15 de 31.08.96. (fls. 1.134)” (trechos
da Sentença – Proc. 44157.81.2010.4.01.3900 – n.g.).
[4]
...“fraudulentamente”...
“inventários, concluídos naquele
Juízo do Estado de Goiás, no mínimo espaço de 48 horas, com o sacrifício de todos os prazos legais, sem provas dos óbitos” ... “com as mais
grosseiras violações”... “inclusive
e, quiçá, propositadamente, as áreas das propriedades inventariadas que não
foram, sequer, avaliadas” ... “assentamentos nos livros paroquiais, cuja falsidade
material, no entanto, foi proclamada e evidenciada no acórdão” ... “a
sobredita decisão condenou, nas penas
dos crimes de falsidade ideológica, estelionato e de uso de documento falso”
... “consubstanciando-se, assim, a fortiori, a nulidade absoluta de tais registros”... “declarar inexistentes e cancelados, nos termos do art. 1º da Lei nº
6.739/79, as matrículas e os registros dos imóveis rurais supra-elencados”
(Provimento 04/81, do Corregedor Geral do Estado da Bahia – bom exemplo de
eficaz combate à grilagem, com cancelamento dos registros – grifamos).
O caso também gerou
ação penal com condenação de alguns envolvidos: ... “Ação Penal em que figuram 33 réus”... “Inventavam
heranças e herdeiros”...” a extensão dos imóveis transferidos para seus
nomes atinge números fantásticos
(doc. De fls. 121 – apenso II”...”só a fazenda Boqueirão tem 112.000 alqueires;
Joá 34.679”... “Larga da Pintada, 73.070 alqueires. Tudo isso coube em sum só
arrolamento, feito com certidão falsificada (fls. 328, 3º vol.).”... “julgar em
parte procedente a pretensão punitiva para condenar:
I-“... “4 (quatro) anos de reclusão e interdição de investidura em função
pública pelo prazo de 5 (cinco) anos; 2 – “...”a 16 (dezesseis) anos de
reclusão;” ... “ a 5 (cinco) anos de reclusão; 4 – “ .. “a 7 (sete) anos e 6
(seis) meses de reclusão; 6 – “ ... “a 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de
reclusão;” ... (Ação Penal Originária 44 onde foram réus nacionais e estrangeiros,
membro do judiciário, ex-parlamentares do Senado e da Câmara dos Deputados, serventuário,
advogados e outros - TJ-Goiás, Relator Des. Clenon de Barros Loyola, Acórdão
de 27.9.1978 – grifamos)
[5] Nulidades
absolutas e relativas, como tratadas no BGB (Código Civil Alemão). As nulidades
relativas correspondendo aos atos anuláveis, passíveis de ratificação com
efeito retroativo, compreendem a Anfechtbarkeit
e diferem dos atos nulos, como os atos do relativamente incapaz (beschränkte Geschäftsunfähigkeit). As
expressões nulos e anuláveis correspondem a nulidades absolutas e nulidades
relativas - Esboço de Teixeira de Freitas, arts, 787 e 788), como constava no
art. 148 (“O
ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro. A
ratificação retroage à data do ato.”), do
CC/1916, equivalendo ao art. 172 (“ O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes,
salvo direito de terceiro.”),
do CC/2002.
[6] Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil, atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro
Filho, vol. I, ed Forense, 21ª edição, p. 533).
[7] Assim
pensa o Professor português Dr. José Alberto Gonzáles (Direitos Reais e Direito
Registral Imobiliário, ed. Quid Juris?,
p. 114, Lisboa, 2001), in verbis
: ...“a aquisição tabular é obviamente derivada” ... “concede legitimidade para impor, unilateralmente, a transmissão
ou a oneração de um direito real alheio a favor doutro sujeito (o terceiro
adquirente)”...”o facto que promove essa transmissão/oneração é um facto
jurídico stricto sensu complexo” (obra cit. P. 114)...
[8]
...”O inconveniente maior desta última
ressalva é a margem aberta ao
subjetivismo do juiz, devido à falta de um parâmetro em que se possa
apoiar.” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, atualizada
por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho, vol. IV, ed Forense, 21 edição, p.
128)
[9]
“O
mero registro não expurga o título de suas imperfeições nem supre a capacidade
de disposição do transmitente”, como ensinou o Doutor e Mestre em
Direito Constitucional e Desembargador paulista, José Renato Nalini (in Os princípios do Direito Registral
Brasileiro e seus Efeitos. In Direito Imobiliário Brasileiro, Coord. Alexandre
Guerra e Marcelo Benacchio, Ed. QuartierLatin do Brasil., p. 1086).
[10] ...”-Isso
aqui é Brasil”, afirmou o fazendeiro ao Juiz”...”disse considerar normal o fato
de sua família ter grilado uma área pertencente ao Estado, as chamadas
terras devolutas”... (destacamos, da matéria intitulada “Isso aqui é
Brasil, diz fazendeiro sobre grilagem de terras devolutas” – Paulo Peixoto,
10.10.2013. Folha de São Paulo, na internet.
[11] Por vício
deste e não do título causal, pensamos.
[12] ... “na Alemanha, o cartório, integrado na
organização judiciária, tem um juiz na
direção, sob cujas ordens atuam os funcionários e o encarregado da
documentação”... “as diversidades
mais se acentuam quando me volto para a história do Registro de Imóveis nos
dois países”...“o sistema de assento da
propriedade imóvel no Brasil começou com o Código Civil, em 1917” ... “a história
do Registro Imobiliário constitui “um pedaço do autêntico existir da Alemanha
(Direito das Coisas, P. 9º), o que se confirma com a nota de que, a partir do século XII, algumas cidades
começaram a ter repertórios oficiais para registrar imóveis” (Walter
Ceneviva, in Registro de Imóveis – O
Sistema Alemão e o Brasileiro, em Conferência proferida em 10.2.87, em
Curitiba-PR, no I Seminário Nacional de Cadastro Urbano e Rural; publicado na
RT 616/251, em fev/1987 e no livro Direito Registral, Vol. II, Ed. RT,
organizadores Ricardo DIp e Sérgio Jacomino, p. 568/569)
[13]
...”Em nosso sistema jurídico, ao contrário do
que ocorre no Direito alemão, o registro do título de aquisição de imóvel é
causal e gera, apenas, a presunção juris tantum
de propriedade. O que importa dizer que, inválido
o título, inválido será o registro, desfeita, assim, a aparência de
transferência da propriedade.” (STF, Representação de Inconstitucionalidade
1.070-DF, j. 23.3.1983, Pleno, Rel, Min. Moreira Alves)
[14]
Nota 9.
[15]
Nota 4.
[16]
Bons exemplos indicam os casos referidos nas notas 3 e 4.
[17]
Nota 9.
[18]
Notas 3 e 4.
[19] ... “na
Alemanha, o cartório, integrado
na organização judiciária, tem um juiz
na direção, sob cujas ordens atuam os funcionários e o encarregado da
documentação”... (Walter Ceneviva – obra citada na Nota 9)
[20]
Nota 4.
[21]
Homenageamos o hercúleo e laborioso atuar das prestigiosas Procuradorias e do
INCRA e demais órgãos que atuam e atuaram no setor. Também rendemos homenagem à
memória do INTERBA (Instituto do Desenvolvimento Agrário da Bahia) e do IDAGO
(Instituto do Desenvolvimento Agrário de Goiás), organismos estes extintos há
anos e que, por exemplos que pesquisas em documentos nos revelaram, foram
fortes pilares no combate à grilagem e na defesa do patrimônio público (exemplo
expressado na Nota 4).
[22]
CF/88, art. 183, P. 3º - § 3º - “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
[23] Claro que nem todas griladas, mas saibamos que: ...“de acordo o Incra, de janeiro deste ano, estrangeiros têm posse de 4,5 milhões de hectares de terras no
Brasil – área equivalente ao território
da Suíça ou do Rio Grande do Norte.” (Notícias da Câmara dos Deputados,
25.7.2011 -
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/200262-RESTRICAO-A-COMPRA-DE-TERRAS-POR-ESTRANGEIROS-E-PRIORIDADE-DE-COMISSAO.html)
[24]
Precedente neste sentido nos alerta: TJ-MS – 3ª. Turma Cível, Ap
20110010476/000000, Rel. designado Des. Rubens Bergonzi Bossay, j. 2.8.2011,
onde se debateu a usucapião tabular, nos seguintes termos: ... “... “a nulidade do título de que são possuidores
resta suplantada pela usucapião tabular (art. 214, P 5º, da LRP)
acolhida no caso” (trecho extraído do
Voto do Relator Marco Andre Nogueira Hanson) ...”A inércia do Estado de Mato Grosso do Sul em
transferir o imóvel para o seu domínio, assim como a constatação da boa-fé da
parte, impossibilita a decretação da nulidade do título de aquisição à alegação
de eiva de vício.” (trecho do voto do
Revisor Des. Rubens Bergonzi Bossay e ao final designado Relator designado)
...– fonte
http://www.tjms.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=219668&vlCaptcha=bzqem)
[25]
Como exemplo: “MT: exploração ilegal de madeira cresce 63% - Do total não autorizado,
que corresponde a 1.066,63km2, 96,4% ocorreram em áreas privadas, devolutas ou sob disputa. A exploração
ilegal atingiu 28,5km2 em terras
indígenas. O Parque Indígena do Xingu foi o segundo mais afetado”... (O
Globo, 10.3.2014, p. 4)
[26] Nota 6.
[27] Nota 25.
[28] “Quem
paga mal paga duas vezes” - Acórdão:
Apelação Cível n. 2006.015791-2, de Lages/SC, Relator: Des. Sérgio Izidoro
Heil, j. 27.07.2006 (anotamos, portanto, já na vigência do atual Código Civil).
[29]
A distinção entre "dolus bonus" e "dolus
malus" está no fato de que somente o último macula o negócio jurídico: ...”prática de artifícios aptos a levarem a
outra parte a contratar”... “artifício desonesto, anterior ou concomitantemente
ao contrato”... (Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, Vol. I, 7ª. Ed, Ed.
Freitas Bastos, p. 395).
[30]
Exemplos nas Notas 3 e 4.
[31]
Ob. Cit., item 361.
[32]
Código Civil, Art. 182 “Anulado o
negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se
achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente.”
[33] Ob. Cit.,
item 362 – O terceiro de boa-fé teria direito aos frutos ou das benfeitorias
que fizer, mas não à coisa em si! Como, aliás, prevê a lei civil.
[34]
Em caso extremo, a boa-fé alegada não
preservou nem o direito aos frutos, como ocorreu em outra situação,
relacionada à demarcação da Reserva Raposa
Terra do Sol (consta que os fazendeiros que ocupavam a região onde passou a
existir a reserva não tiveram direito a esses frutos inerentes à colheita do
que foi plantado), vejamos: “Quem plantou nas terras sob litígio o fez
por sua conta e risco” (como consta em http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=noticias&page=6,
sob o título “Arrozeiro quer prazo para colher”; consulta feita em
09.4.2014-n.g.); “Fazendeiros terão de
sair até abril” (matéria publicada no Correio Brasiliense, impresso em
26.3.2009”) e ”Arrozeiros acatam ordem de sair da reserva
raposa serra do sol, mas querem indenizações e o direito de colher a safra” (matéria
intitulada Os índios venceram - http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1698650-1641,00.html
– consulta em 09.4.2014)
[35]
Pudemos observar que (1) muitos negócios são feitos apenas com a análise da certidão
do RGI do último negócio registrado e (2) constando da escritura que o vendedor
NÃO responde pela “evicção”! Ponderamos que isso não revela exatamente
“boa-fé” negocial, podendo apenas indicar a inocência do comprador que não desconfia
da má origem do que pensa adquirir – inocente útil, para o lucrativo negócio da
grilagem!
[36]
“A consulta ao registro deve, certamente,
ser havida como um ônus jurídico” (José Alberto Gonzales, ob. Cit., p.
109).
[37] Nota 4.
[38]
Nota 3.
[39]
MARQUES, Claudia Lima. Cem anos de Código Civil Alemão: O BGB de 1986 e o
Código Civil Brasileiro de 1916. Ajuris, Porto Alegre, n. 40, p. 88, 1987 – “Freitas e Rodrigues elaboraram seus Projetos
antes que o projeto final do BGB estivesse pronto e consideraram somente o
primeiro e criticado projeto de 1887/88. Beviláqua, ao contrário, conhecia o
segundo Projeto de BGB, publicado em 1895, e o considerou em seus estudos., op.
cit., p. 88.”, ensinando-nos, ainda (ob. Cit, p. 82) que “o Código Civil brasileiro foi elaborado no
período de 1860 a 1899, enquanto que o BGB o foi no período de 1874 e 1896”,
donde não se poder negar que o projeto do Código Alemão e a doutrina daquele país foram considerados
na elaboração do nosso Código Civil de 1916, de forte influência no vigente
Código Civil de 2002.
[40]
Nulidades absolutas e relativas, como trata o BGB (Código Civil Alemão). As
nulidades relativas correspondendo aos atos anuláveis, passíveis de ratificação
com efeito retroativo, compreendem a Anfechtbarkeit
e diferem dos atos nulos, como os atos do relativamente incapaz (beschränkte Geschäftsunfähigkeit). As
expressões nulos e anuláveis correspondem a nulidades absolutas e nulidades
relativas - Esboço de Teixeira de Freitas, arts, 787 e 788), como constava no
art. 148 (“O
ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro. A
ratificação retroage à data do ato.”), do
CC/1916, equivalendo ao art. 172 (“ O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes,
salvo direito de terceiro.”),
do CC/2002.
[41]
MIRANDA, Pontes de. Fontes e Evolução do Direito Civil brasileiro, 2ª. Edição,
1981, ed. Forense, p. 161.
[42] SERPA
LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, vol. I, 7ª. Ed, item 298.
[43] Ob. Cit, item 354
[44]
Ob. Cit., item 355.
[45]
Exemplo referido na nota 4.
[46]
“O ato de registro é um ato
administrativo” (Régis Fernandes de Oliveira, Ato Administrativo, Ed. RT,
2ª. Edição, 1980, p. 35)
[47] ...“aberta
viciosamente ou com preterição das formalidades essenciais”... como
ensina Elvino Silva Filho, citando Gilberto Valenda da Silva (in O cancelamento no Registro de
Imóveis. IRIB, vol. 4, 2005, p. 36).
[48] Exemplo tratado na Nota 4.
[49] Silva
Filho, Elvino. Ob. Cit, p. 42 (aqui citando Sentença do Juiz Ricardo Henry
Marques Dip, confirmada pelo Corregedor Geral da Justiça).
[50]
Ob. Cit, p. 42.
[51]
Notas 3, 4 e 9.
[52] Notas 3 e 4.
[53] Nota 7.
[54]
... “na
Alemanha, o cartório, integrado
na organização judiciária, tem um juiz
na direção, sob cujas ordens atuam os funcionários e o encarregado da
documentação”... (Valter Ceneviva, obra citada na Nota 9)
[55]
“O ato de registro é um ato
administrativo” (Régis Fernandes de Oliveira, Ato Administrativo, Ed. RT,
2ª. Edição, 1980, p. 35)
[56] CF/88,
art. 37: princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência.
[57]In “Efeitos do Registo – terceiros –
aquisição «a non domino», in Revista de Direito e Economia, Ano VIII Nº 1 Janeiro-Junho 1982, pág. 120”.
[58]Heinrich EwaldHörster (Efeitos do
Registo – terceiros – aquisição «a non domino», in Revista de Direito e
Economia, Ano VIII Nº 1 Janeiro-Junho 1982, pág. 120), citado em Portugal
em publicação do IRN – Instituto dos Registos e do Notariado -Boletim dos
Registos e do Notariado - II caderno - Pareceres do Conselho Técnico - Julho
7/2003, parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos
Registos e do Notariado de 01.07.2003, Relator João Guimarães Gomes de Bastos.
[59]
Norberto Bobbio ensina que as normas
não existem isoladamente, mas são
ligadas umas às outras formando um sistema normativo (in Teoria da Norma Jurídica. Edpro, SP, 2008, p. 37).
[60] Para
Bobbio, para que o ordenamento jurídico seja uma unidade sistemática deve
haver, além de unidade, coerência entre seus componentes (BOBBIO, Norberto.
Teoria do Ordenamento Jurídico. Edpro, SP, 2011, p. 79/81).
[61] Nota 8.
[62] “A nulidade
não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as
condições de usucapião do imóvel.".
[63]
Lei
6.015/73, artigo 214: ...”as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de
ação direta.”
[64] Nota 4.
[65]
“CPI da Venda de Terras a Estrangeiros”,
instaurada no Congresso Nacional (1967): acessamos e estudamos os volumosos
autos, onde tudo nos impressiona, inclusive os depoimentos prestados na
presença de Promotor e Juiz de Direito por vítimas da violência de grileiros
estrangeiros, algumas das quais sofreram ou presenciaram a queimada de casas, a
matança de animais, agressões etc
[66]
Lei de Terras de 1850 (Lei 601, de 18.9.1850): “Art. 1º Ficam
prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o
de compra.”
[67]
Arts 12 e 18, da Lei 10.931/2004.
[68]
TJ-SP, Acórdão unânime, Apelação 12007, j. 14.5.1936, Costa e Silva, Rel.
Designado, in Revista dos Tribunaes,
Vol. LX, fascículos 324/325, p. 78/88
[69]
Decreto 1318, de 1854 (Registro
Paroquial): art. 94 - ...”As
declarações de que tratam este e o artigo antecedente não conferem direito algum aos possuidores” (n.g.)
[70]
Art. 102 ... “se porém as partes
insistirem no registro de suas declarações pelo modo por que se acharem feitas,
os vigários não poderão recusá-las”
[71]
Maia, Altir de Souza. Registro Paroquial. Revista de Direito Agrário, 1,
artigos, p. 5 e seguintes.
[72]
Pará Filho, Tomaz. Ação Discriminatória e Discriminação Administrativa, p. 446,
1978.
[73]
Nota 4.
[74]
Nalini, José Renato. Os princípios do Direito Registral Brasileiro e seus
Efeitos. P. 1086, In Direito Imobiliário Brasileiro, Coord. Alexandre Guerra e
Marcelo Benacchio, Ed. QuartierLatin do Brasil.
[75]
Lei 12.424/2011: Lei citada introduz a “Usucapião tabular
familiar” ao modificar o novo Código Civil e introduzir o art. 1240-A:
“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e
cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou
ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.”
[76]
Do mesmo modo exemplificado na Nota 4.
[77]
STJ, MS 32.277-AM, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, unânime, j. 16.12.2010.
[79] Grilagem envolvendo
área superior a 410 milhões de hectares
(!), com “multiplicação ilegal de áreas”
... “uma enorme apropriação de terras” ... “do patrimônio público, cuja exorbitante extensão supera a própria área
do estado do Pará.” Para o CNJ, tal
situação revela "além de manifesto
erro funcional dos registradores, também eventual malversação de interesses com
graves riscos para áreas de preservação ambiental e patrimonial." (n.g.)
[80]
STF/Pleno, ACO 312/Ba, Rel. Min.
Eros Grau; Rel. Acórdão Min. Luiz Fux, j. 02.5.2012.
[81]
...”são nenhuns quaisquer títulos, mesmo
registrados, contra a posse de silvícolas, ainda que anteriores à
Constituição de 1934, se à data da promulgação havia tal posse” (Pontes de
Miranda, Comentários à Constituição de 1967, Tomo VI, São Paulo, 1972, p. 457 )
[82]
STJ/1ª Seção, ERESP 970.832-PR, Rel. MIn. Luis Fux, j. 10.2.2010.
[83]
“Quem
paga mal paga duas vezes” - Acórdão:
Apelação Cível n. 2006.015791-2, de Lages/SC, Relator: Des. Sérgio Izidoro
Heil, j. 27.07.2006.
[84]
José Alberto Gonzales, professor lusitano (fonte citada na Nota 4), cita Penha
Gonçalves (Reais, p. 94) que defendeu que “o
problema em causa é, essencialmente, de ordem registral”.
[85]
Já há precedente: TJ-MS – 3ª. Turma Cível, Ap 20110010476/000000, Rel. designado
Des. Rubens Bergonzi Bossay, j. 2.8.2011, onde se debateu a usucapião tabular,
nos seguintes termos: ... “... “a nulidade do
título de que são possuidores resta suplantada pela usucapião tabular (art.
214, P 5º, da LRP) acolhida no caso”
(trecho extraído do Voto do Relator Marco Andre Nogueira Hanson) ...”A inércia do
Estado de Mato Grosso do Sul em transferir o imóvel para o seu domínio, assim
como a constatação da boa-fé da parte, impossibilita a decretação da nulidade
do título de aquisição à alegação de eiva de vício.” (trecho do voto do Revisor Des. Rubens Bergonzi Bossay e
ao final designado Relator designado)
[86]
STF, ERE 52331-PR, Re. Min. Evandro Lins e Silva, DJ 30.3.1964. ...II - Os bens públicos imóveis da União não podem ser adquiridos por usucapião
(CC, art. 67, Dec 22785/33, DL 9760/46, art. 200), ressalvados os casos de
praescriptio longissimi temporis, a de 40 consumado antes de 1917 e os do art.
5º, “e”, do DL 9760/46, III”.
[87] Notas 3 e 4.
[88] Nota 83.
[89]
“Fazendeiros terão de sair até abril”,
Leonel Rocha, matéria publicada no Correio Brasiliense, em 26.3.2009
[90] Nota 35.
[91]
...”No total, a indústria enviou US$
3,988 bilhões ao exterior neste ano,
enquanto o setor de serviços enviou US$ 3,478 bilhões, e as empresas de agronegócios, US$ 185 milhões.”(por Karina
Nappi; Centro de Estudos e Formação do Patrimônio -
http://www.calilecalil.com.br/calil/materias-publicadas/materia.asp?ID=352)
[92]
“De acordo
com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de
janeiro deste ano, estrangeiros têm
posse de 4,5 milhões de hectares de terras no Brasil – área equivalente ao
território da Suíça ou do Rio Grande do Norte. O número em 2010 era de 4,35
milhões de hectares –houve aumento de 3,44%.” (Notícias da Câmara dos Deputados, 25.7.2011 -
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/200262-RESTRICAO-A-COMPRA-DE-TERRAS-POR-ESTRANGEIROS-E-PRIORIDADE-DE-COMISSAO.html)
[94] Vejamos jurisprudência: “USUCAPIÃO. FURTO DE VEÍCULO. RECEPTACAO.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. USUCAPIÃO DE COISA MÓVEL. CAMINHÃO FURTADO NO ESTADO
DE MINAS GERAIS. Boletim de ocorrência edificada no local do crime, onde reside
a vítima. Aquisição do veículo não justificada em juízo. Receptação que impõe improcedência do pedido inicial. Recurso
provido.” (TJRJ; processo 0005705-19.1996.8.19.0000 (1996.001.03734)
- Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Gustavo Itabaiana; Julg. 20/08/1996 – consulta
ao site do TJ-RJ, em 09.4.2014 ” (n.g.)
[95] Código Civil/2002,art. 169: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de
confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”.
[96] Curioso
que a expressão “função social” da propriedade tenha no Brasil surgido pela
primeira vez nas constituições de 1967 e de 1969 (tempos da ditadura), como
norteadores dos direitos sociais e coletivos.
[97] TJ-Goiás,
Pleno, Acórdão unânime no Recurso Administrativo 71 (de 08 de outubro de 1980),
do Instituto do Desenvolvimento Agrário de Goiás – Idago, negando o pretendido
cancelamento administrativo com base na Lei 6739/79 de registros imobiliários
de títulos nulos de pleno direito (depois cancelados judicialmente, por ação
discriminatória).
[98] Sentença
de 08.6.1981, da lavra do Juiz de direito Arivaldo da Silva Chaves, proferida
nos autos da Ação Discriminatória movida pelo Instituto do Desenvolvimento
Agrário de Goiás – IDAGO, transitada em julgado pela intempestividade da
Apelação Cível 15814/Cavalcante, conforme consta do Acórdão datado de 25.6.1984
(TJ-Goiás, Rel. Des. Messias de Souza Costa) e pelo não acolhimento da Ação
Rescisória depois proposta (Acórdão 5446, Rel. Mauro Campos, j. em 17.6.1987;
Ementa publicada em 13.8.1987 (DO 10162 - fls. 02);
-
TJ/Goiás,);
[99] São da
mesma data (08.8.1985) o Mandado de Cancelamento e a Certidão do RGI da Comarca
de Cavalcante.
[100] Sentença
citada – fls. 160.
[101]
... “O julgamento da ação discriminatória
– mais ampla – tornou sem objeto a ação de reintegração de posse: com o
posterior loteamento da área discriminada, foi ela alienada aos possuidores,
que dela também se tornaram proprietários” (trecho da petição do Estado de
Goiás, datada de 25.9.90).
[102] CF/88. “Art. 186 – A função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II –
utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as
relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.”
[103] Lei de Terras de 1850 (Lei 601, de
18.9.1850): “Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo
que não seja o de compra.”
[104] Nota 7.
[105] STJ, Resp 661858-PR, 3ª T, rel. Min. Castro
Filho, DJU 15.8.2005: “Negócio fraudulento não é justo título: a escritura pública que consolidou a venda
não pode ser considerada como justo título para fins de aquisição da
propriedade por usucapião ordinário se sua lavratura decorreu de negócio
fraudulento”
[106] ... “título não é o documento, mas sim o
fundamento do direito, o fato que justifica a aquisição deste”... “o justo título deve ser efetivo e não
putativo” ... (Alípio Silveira; in
Justo Título e Boa-fé o usucapião de imóveis. Ed. RT, 2009/491).
[107] Pothier distinguia título da posse do justo título, dizendo que este é o contrato ou outro ato que é
vocacionado a transferir a propriedade (“On appelle juste titre, um contrat ou autre acte qui est de nature à
transferer la proprieté”; Pothier, Traités de La possession et de La
prescription, Parisa e Orleáns, 1782, Imprensa do Rei, do Bispo e da
Universidade, t. II, capítulo III, intitulado Du juste titre requi pour La prescription, p. 179/180).
[108]
...”Em nosso sistema jurídico, ao contrário do
que ocorre no Direito alemão, o registro do título de aquisição de imóvel é
causal e gera, apenas, a presunção juris tantum
de propriedade. O que importa dizer que, inválido
o título, inválido será o registro, desfeita, assim, a aparência de
transferência da propriedade.” (STF, Representação de Inconstitucionalidade
1.070-DF, j. 23.3.1983, Pleno, Rel, Min. Moreira Alves)
[109] Prescreve em 10
anos (CC, art. 205).
[110] Verbete 106 da
Súmula do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos
inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de
prescrição ou decadência.”
[111]
Nota 8.
[112] Nota 9.
[113] Nota 21.
[114] Lei
citada introduz a “Usucapião tabular familiar” ao modificar o novo Código Civil
e introduzir o art. 1240-A:
“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e
cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou
ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.”
[115] Alguns
dos documentos cartorários e de autos de processos judiciais findos foram
coligidos ao longo de anos em viagens e visitas a algumas cidades do interior
do País e Capitais dos Estados da Bahia, Goiás, Tocantins e Distrito Federal.
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