11 de dez. de 2008

CATEGORIZAÇÃO E "DEFENSORAR"

CATEGORIZAÇÃO E O ATO DE "DEFENSORAR"
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Reproduzo, aqui, tal qual o original, artigo que elaborei e que foi publicado, em idos de 2004 em (1) coletânea intitulada "ACESSO À JUSTIÇA" - 2a Série, organizada por FÁBIO COSTA SOARES, publicada pela ed. Lumen Juris (páginas 389/400) e (2) na "REVISTA DE DIREITO DA DEFENSORIA PÚBLICA" (RJ), n. 19, publicada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (páginas 365/376 - abril de 2004).
Deve, portanto, este trabalho ser visto em seu contexto histórico.


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(“ CATEGORIZAÇÃO “ :
UM ENSAIO SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA)




ROGÉRIO DOS REIS DEVISATE,




1. INTRODUÇÃO




Talvez alguns estranhem o título e sinto-me na obrigação de dizer que ele nada tem de pretensioso.


“Categorização”, como expressão do vernáculo, leva-nos, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed., 32ª impressão, ed. Nova Fronteira, p. 369) a pensar na “ação ou efeito de categorizar”, ou seja, no ato de dispor em categorias ou de classificar. Já Antenor Nascentes (in Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, p. 104) ensina que “categoria” advém do grego Kategoria, atributo, pelo latim categoria. Obrigamo-nos, portanto, a pensar em identificar atributos próprios alvitrando uma divisão peculiar acerca do objeto do nosso raciocínio.


E, já de antemão, que fique claro que não é nosso objetivo sequer pensar em chegar perto de uma divisão sistemática das instituições chamadas “ carreiras jurídicas”. Todavia, longe de ser a conclusão de uma idéia, estas linhas apenas alvitram fazer-nos refletir sobre uma necessidade, digamos, de certa forma semântica, de se abordar um fenômeno, com certo exercício filosófico a seu respeito, na medida em que busca-se, despretensiosamente, melhor compreender certa realidade, para ordenar o campo de pesquisa e limitar o foco de análise.




2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 , A ADVOCACIA PÚBLICA E A DEFENSORIA PÚBLICA




Qual é a posição jurídica do Defensor Público no universo dos que podem postular em Juízo? Este é o punctum saliens da idéia em apreço.


Alvitrando enquadrar o Defensor Público numa categoria de atores provocadores da Jurisdição, normalmente se o colocam - ou colocavam - na vertente dos Advogados e, dentre esses, mais particularmente, na dos “Advogados Públicos”. Corrente também, na doutrina, com luminar abordagem, a inclusão da Defensoria Pública dentre as chamadas “procuraturas”. Contudo, não é a tal universo de análise que pretendemos nos deter.


Destarte, urge considerar, já aqui, substancial diferenciação que o próprio texto constitucional se nos apresenta, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998 (resultado da PEC - Proposta de Emenda Constitucional nº 00173/1995 ), a partir da qual a expressão “advocacia pública”, referente à Sessão II, do Título IV, da Carta Magna, passa a referir-se à advocacia da União e às procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (artigo 131 e 132 da Carta de 1988, já considerado o que dispôs a comentada Emenda).


A propósito, talvez já aqui seja lugar de se destacar que, enquanto a OAB/SP, pioneiramente, criou uma “Comissão de Advocacia Pública”, a OAB/RJ melhor descortinou o tema, ao criar em 2001 a sua Comissão tendente a cuidar dos interesses daqueles inscritos na OAB e que atuem no âmbito de instituições públicas, chamando-a de “Comissão de Defensores, Procuradores e Advogados Públicos”. Mas, daquela breve diferença nos nomes das similares comissões da OAB/SP e da OAB/RJ já, aí mesmo, ao ouvido mais atento, se tem uma sutil introdução da idéia que parece nos ter influenciado e de algum modo nos provocado a escrever este ensaio, embora, a nossa motivação primária seja contemporânea à edição da Emenda nº 19/98, porquanto a partir daí, expressamente, a nosso ver, de alguma forma o legislador acabou por destacar a “advocacia pública” e, do modo como o fez, creio passe a ter lugar a lógica reflexão que se segue.


Notemos que o texto da Carta Política de 1988 (anterior à Emenda Constitucional nº 19/98), no que diz respeito às “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV), assim se nos apresentava, verbis:


 Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);


 Seção II – Da Advocacia-Geral da União (artigos 131/132);


 Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque 135).


Daí, ora urge vejamos como, após a Emenda Constitucional nº 19/98, na Constituição Federal de 1988, passam a se situar as “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV), verbis:


 Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);


 Seção II – Da Advocacia Pública (artigos 131 e 132);


 Seção III – da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque 135).


Com isso, a Defensoria Pública não mais pode desde então ser incluída, mesmo em linguajar não técnico, no rol dos “Advogados Públicos”, o que para alguns pode pouco significar, mas o que, no nosso sentir, salvo melhor juízo, muito passa a representar para a consolidação da Instituição em âmbito nacional, por meio de uma melhor compreensão do seu verdadeiro alcance e espaço jurídico-político.


Ora, reflitamos: se a Constituição Federal, após a suso referida Emenda Constitucional, ao utilizar-se da expressão “Advocacia Pública” apenas contemplou a Advocacia da União (CF, artigo 131) e as Procuradorias dos Estados e dos Distrito Federal (CF, artigo 132) e se, além desses são também remunerados pelos cofres públicos os membros do Ministério Público (CF, artigos 127 a 130) e os da Defensoria Pública (CF, artigo 134), como na verdade dever-se-ia considerar tal contexto?


Pois bem, com o Advento da Emenda nº 19/98, nas chamadas “funções essenciais à justiça”, temos os seguintes segmentos:




1 - Ministério Público (CF, artigos 127/130);


2 - Advogados -----) profissionais liberais (CF, artigo 133);


-----) advogados públicos (CF, artigos 131/132);


3 - Defensores Públicos (CF, artigo 134).




Daí temos que os integrantes de tais segmentos compõem o universo daqueles que têm a capacidade para estar em Juízo, provocando a jurisdição, ressalvado os casos de competência dos juizados especiais e os habeas corpus, os quais permitem que o próprio interessado provoque a jurisdição.


Com isso, embora situada no mesmo espaço na Carta de 1988 (artigo 134), os Defensores Públicos, quando integrantes de Instituição que funcione segundo os ditames da Lei Complementar Federal nº 80/94 e das regras Estaduais pertinentes acabam saindo do universo que, na doutrina e nas discussões acadêmicas, envolvia um gênero até então chamado de “advocacia pública” para um espaço próprio, ímpar, exclusivo, ou seja, passam a ocupar, com a sua atuação, com o seu munus constitucional peculiar, o seu lugar incomunicável a qualquer outro seguimento, qual seja, aquele imanente à instituição a que pertencem: a Defensoria Pública !


No mesmo sentido, portanto, o atuar de cada Defensor Público não poderia ser visto como um ato de “advogar”, embora em parte a tal conduta de assemelhe, merecendo ser tratado como um “ato de Defensoria Pública”, ou, num neologismo, naturalmente sempre estranho a primeira impressão, que poderíamos ousar chamar de um ato de “defensorar”... Sim, pois os advogados (profissionais liberais ou da advocacia pública) naturalmente são aqueles que “advogam”, os promotores “oficiam” ou “promovem” e os defensores públicos praticariam um “ato de Defensoria pública” - pensamos ousadamente: “defensoram”! Mas, seja qual for a expressão que melhor venha a definir o universo do atuar do Defensor Público, penso que a lógica das idéias aqui versadas exigiriam a adoção de uma expressão que, fosse qual fosse, tivesse a “marca” da Defensoria Pública, garantindo uma exclusiva identidade na atuação dos seus membros.


E, no caso da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, particularmente, vista como paradigma nacional, a questão cresce muito em relevância, uma vez que a Instituição possui autonomia administrativa, financeira e orçamentária, tendo o Defensor Público Geral do Estado mandato de 04 (quatro) anos, após eleição em lista tríplice e nomeação pelo Chefe do Executivo, cabendo-lhe, exclusivamente, a prerrogativa de nomear, promover, exonerar e aposentar os Defensores Públicos, de tratar dos procedimentos licitatórios, de abrir concursos públicos, etc (aliás, cabe aqui lembrar que tal status está se reproduzindo em outros Estados da Federação).


Assim, acaba sendo lógico e natural que se tenha em mente que a Defensoria Pública pós Emenda Constitucional nº 19/98 acaba se assemelhando, agora, mais do que nunca, sob certo prisma, ao Ministério Público (e, como corolário, se distanciando cada vez mais do gênero “advocacia”, mais particularmente da chamada “advocacia pública”), reclamando e, na verdade, devendo ocupar um seu lugar próprio e peculiar no universo dos seguimentos provocadores da jurisdição.




3. O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 E A ATUAÇÃO PRÁTICA DO DEFENSOR PÚBLICO


Inicialmente, convém lembrar que a norma que nacionalmente rege a Defensoria Pública é a Lei Complementar (Federal) nº 80, de 12 de janeiro de 1994, sendo também oportuno registrar que a norma que nacionalmente rege a Advocacia é a Lei (Ordinária Federal) nº 8.906, de 04 de julho de 1994.


Até aqui, embora haja várias respeitáveis opiniões em mais de um sentido, temos a vinculação dos Defensores Públicos à OAB, também segundo um entendimento de que os Defensores Públicos, no seu atuar, praticariam “ato de advocacia”, como, aliás, consta dos artigos 1º, artigo 3º, parágrafo 1º c/c artigo 4º, do já antes referida Lei nº 8.906/94.


Convém, contudo, agora lembrar que o artigo 1º antes referido diz que são “atividades privativas da advocacia” (1) “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” e (2) “as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”, que o parágrafo 1º, do artigo 3º, diz que os integrantes da Defensoria Pública “exercem atividade de advocacia” e que o artigo 4º diz que “são nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas”..


Já aqui cabem ser destacados dois (02) pontos:


- 1º. - atividade privativa não significa atividade exclusiva;


- 2º - como consta do artigo 5º , caput, da mesma norma, “o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato”.


Ora, com isso pode-se pensar que a postulação a qualquer órgão do Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas seriam privativas, mas não exclusivas dos advogados, o que se colore com o argumento de que o advogado haverá de postular, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato (Lei nº 8.906/94, artigo 5º), sendo a “procuração” o instrumento deste, constando, inclusive, no parágrafo 2º, do mesmo artigo 5º, a expressa referência ao fato de que a procuração para o foro em geral habilita “o advogado” para todos os atos judiciais, constando apenas, no parágrafo 1º do mesmo artigo, como exceção para a imprescindibilidade da exigência da procuração, os casos de urgência (e mesmo assim fica “o advogado” obrigado a apresentar a procuração no prazo de quinze dias, prorrogável por período idêntico).


Qual a razão desse destaque? Simples, o Defensor Público postula a qualquer órgão do Judiciário e também emite pareceres e exerce atividades de consultoria e não se utiliza de procuração em suas atividades cotidianas, pois exerce o seu munus com a simples investidura no cargo.


Observemos, ainda, que tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública, dentro dos naturais misteres inerentes a cada Instituição (seja na defesa da sociedade ou na defesa de interesses individuais), lutam pela defesa da “dignidade da pessoa humana” (Constituição Federal, artigo 1º, III), alvitrando muito contribuir para a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (Constituição Federal, artigo 3º, I), para a erradicação da pobreza e da marginalização e para reduzir desigualdades, promovendo o bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, artigo 3º, III e IV), sendo ainda pertinentes outras normas programáticas e outros preceitos constitucionais e legais que ora aqui não mencionaremos, por fugirem ao objetivo imediato do tema em análise... Notemos, contudo, ainda, que a Defensoria Pública vem se colocando à frente de outras questões, na defesa de interesses metaindividuais, dos quais também sejam titulares hipossuficientes, como exemplificam muito bem as relações de consumo.


Aliás, para os que possam estranhar ab initio tal rumo de idéias e apenas para argumentar, cabe lembrar e sem mais detida análise, que o Ministério Público também provoca a jurisdição, postulando e exercendo o seu munus sem mandato...
Haveria quem pensasse se não praticariam “atos de advocacia” os membros do Ministério Público quando atuam, particularmente fora das ações criminais, como, verbi gratia, nas Ações Civis Públicas e na defesa do meio ambiente, etc ? Afinal de contas, ouve-se, advogar é postular, é provocar a jurisdição...E não consta haja a respeito qualquer idéia de se os submeter, para tal espectro de atuações, ao regime da OAB (na verdade a origem para tais atribuições está na Carta Política de 1988 e nas demais normas de regência da matéria) !


Podemos, assim, perceber que a matéria é mais sensível do que a princípio possa parecer aos que tenham menos familiaridade com as sutilezas presentes no seu contexto.


Merece, também, ímpar destaque, o fato de que a Lei Complementar (Federal) nº 80/94 (bem como a Lei Complementar Estadual nº 06/77, do Estado do Rio de Janeiro), que dentre outras normas jurídicas regem a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em nenhum momento exigem para a atuação do Defensor Público ou para o ingresso na carreira a inscrição nos quadros da OAB ! A propósito, o artigo 26, §2º, daquela norma federal complementar o faz quando trata da Defensoria Pública da União.


Notemos que há exigência para a comprovação da qualidade de bacharel em Direito e da prática forense, esta quando possível, pois, inclusive, do contrário, ficariam impedidos de prestar concurso todos aqueles que têm incompatibilidade para a advocacia, como expressa o artigo 28, da Lei nº 8.906/94 (como, por exemplo, os militares de qualquer natureza, na ativa, os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza, os chefes do Executivo, etc).




4. SOMENTE LEI COMPLEMENTAR PODE DISPOR SOBRE DEFENSORIA PÚBLICA E SOBRE O ATUAR DOS DEFENSORES PÚBLICOS


A Constituição Federal é clara ao estabelecer que somente Lei Complementar poderá dispor sobre a Defensoria Pública e sobre o atuar dos Defensores Públicos.


Até nesse ponto cresce em solidez o contexto das idéias até aqui suscitadas, vez que a Lei 8.906/94 (o Estatuto da OAB) tem status de lei ordinária (federal) e, portanto, sabidamente, mesmo sem nos debruçarmos longamente sobre o que consta da doutrina mais autorizada, não poderia dispor sobre a Defensoria Pública.


Observemos, atentamente, que a Lei Complementar (Federal) nº 80/94 não exige inscrição na OAB (salvo no artigo 26, § 2º, quando trata da Defensoria Pública da União)... então não poderia uma Lei Ordinária exigir que os Defensores Públicos mantivessem-se inscritos na prestigiosa OAB para exercer o seu munus! Defendemos, assim, s.m.j., que não poderia constar da Lei Ordinária Federal nº 8.906/94 qualquer disposição sobre inscrição dos Defensores Públicos nos quadros da OAB, notadamente para o exercício do munus próprio e exclusivo dos Defensores Públicos que nós, ousadamente, linhas acima, chamamos de “ato de Defensoria pública” ou ato de “defensorar’, o qual, sabemos todos, é efeito da investidura no cargo.


E, ainda nesta linha de raciocínio, será que não haveria uma inconstitucionalidade (progressiva) superveniente ou uma “revogação” dessas disposições da Lei Ordinária nº 8.906/94 em razão das antes já consideradas modificações introduzidas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/98, que exclui a Defensoria Pública do universo dos advogados (profissionais liberais e mesmo dos “advogados públicos”), segundo a visão sistêmica que apontamos linhas acima ? Para tanto, salvo melhor juízo, não seria necessária ADIN ou pronunciamento judicial, bastando não se aplicasse a cogitada respeitável lei ordinária para os Defensores Públicos.


A propósito, não seria demais dizer que a idéia contida no parágrafo anterior cresce em importância para os Defensores Públicos investidos na função após 12 de janeiro de 1994, quando editada a Lei Complementar (Federal) nº 80/94, pois os mesmos enfrentam ainda vedação para o exercício da advocacia privada (ou seja, fora das atribuições institucionais) - destaque-se que tal consideração fazemos aqui nos valemos ainda da idéia ainda hoje mais difundida, mas que neste ensaio ousadamente questionamos, ao entender que a atuação do Defensor Público não corresponde a ato de advogar, como já antes suscitado!) !


Ademais, talvez seja momento de lembrar que não exige a Constituição Federal inscrição na OAB para os Defensores Públicos, quando trata da Defensoria Pública, nem, tampouco, pós Emenda Constitucional nº 19/98, sequer adjetiva os Defensores Públicos como “Advogados Públicos”, o que reclama, a nosso ver e salvo melhor juízo, uma análise mais detida do que a que ora introduzimos, acerca da “categorização” da Defensoria Pública e do atuar dos Defensores Públicos.


5. OUTRAS NUANCES RELEVANTES


O Advogado em essência, seja integrante de um seguimento a que chamaremos “estatal” (ou “advogado público”) ou particular (profissional liberal, a serviço de particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas), carece de regular inscrição na OAB e atuará sempre condicionado a uma “procuração”, que é o instrumento do mandato correspondente ao alcance da sua “representação” dos interesses do mandante.


O Defensor Público não se serve de mandato, ou melhor, prescinde mesmo do mandato típico (materializado em procuração), vez que sua atuação decorre direta e automaticamente da investidura no cargo... seu “poder de atuação” tem assento constitucional e legal...


E, notemos, não havendo mandato, não há também substabelecimentos ou termos de renúncia de mandato, ou a possibilidade de “revogação” de mandato por parte do seu “cliente” (assistido).


Ademais, o Defensor Publico integra uma instituição que obedece, pelo próprio princípio constitucional da impessoalidade, à “teoria do Defensor Natural”, assemelhada à teoria do “Juiz Natural”, sendo, portanto, proibido ao interessado escolher o Defensor que gostaria que o defendesse como também não lhe é permitido escolher o Juiz que gostaria que o julgasse. Ora, a impossibilidade de “escolha” do seu “mandatário” também se choca com um dos atributos basilares da relação cliente/advogado... portanto, também aqui muito acaba por diferir a essência da postura do Defensor Público perante o seu “cliente/assistido”... este não tem “o seu Defensor” mas a seu dispor toda uma estrutura “institucional” da qual o Defensor é um integrante... por isso a causa em questão está afeta, por exemplo, ao Defensor em atuação na 1ª vara X de dada Comarca e não ao Defensor Público Y ou Z... do mesmo modo que a questão será julgada pelo Magistrado da 1ª Vara X e não pelo Juiz Y ou Z.


Com isso, é crível, estamos diante de uma nova realidade diante do universo daqueles que tem a capacidade de provocar a atividade jurisdicional.


A propósito, pensemos, quem pode postular? Os Advogados (de qualquer das modalidades, aí incluídos os Advogados Públicos), os membros do Ministério Público e os Defensores Públicos. Sim, são estes e apenas estes aqueles que tem capacidade de postular em Juízo, como já antes aqui considerado... excluindo-se, naturalmente, como já dissemos, o habeas corpus e questões de competência dos juizados especiais...


Vejo, assim, smj., que há mesmo a necessidade técnica dessa análise sistêmica, dentre aqueles que tem a capacidade postulatória, a fim de se definir os atributos da figura do Defensor Público, como um ente próprio, em origem e em parte “assemelhado” ao advogado, mas deste, hoje, em essência e roupagem normativa, muito distante.


Ora, se é assim, pensemos, como seria tratada a situação, por exemplo, de um bacharel em Direito que, porventura, como funcionário público e que, portanto, pelo Estatuto da OAB, não pode possuir inscrição na OAB, presta concurso e é empossado como Defensor Público, numa instituição perfeitamente estruturada nos moldes da Lei Complementar Federal nº 80/94, com autonomia administrativa, financeira e orçamentária, com Corregedoria própria, com o Defensor Público Geral com prerrogativa exclusiva para nomear, promover, aposentar, exonerar os Defensores Públicos, etc. Teria o recém empossado de se inscrever nos quadros da OAB, ou teria de fazê-lo para tomar posse? Ou ficariam impedidos de fazer concursos para a Defensoria Pública, a Magistratura, o Ministério Público, os serventuários da justiça, os Delegados de Polícia, os Oficiais da Polícia Militar, e tantos outros importantes servidores públicos (por exemplo, segundo o que dizem os incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, do artigo 28, da Lei nº 8.906/94) que, embora bacharéis em Direito, jamais puderam, pelos Estatutos da OAB, se inscrever nos seus quadros? Acaso um policial ou um gerente de instituição bancária (artigo 28 citado, incisos VI e VIII) não pode prestar concurso ou ser empossado na Defensoria Pública, para atuar como Defensor Público, por não estar inscrito na OAB?


Já é hora, pensamos, de se refletir acerca do tema Defensoria Pública, pois somente em sede constitucional a Instituição já é tratada há quase quinze (15) anos (é... a Constituição Federal data de 1988...!)... e se o progresso é grande em tão pouco tempo, ainda muito pode ser feito (e será!).


Penso, assim, que o Defensor Público investido na função após o advento da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, está em condições de exercer o seu munus sem a obrigatoriedade de estar inscrito na OAB, exatamente pelo fato de se submeter a um regime próprio e por sequer poder ser tratado como “advogado público” após a Emenda Constitucional nº 19/98, além do que entendo sustentável o entendimento de que certos preceitos da Lei 8.906 (os que correspondem a legislar sobre Defensores Públicos) acabam sendo inconstitucionais em face do advento da nova redação da Carta Política de 1988 (que acaba conferindo aos Defensores Públicos um status próprio, excluindo-os do gênero advocacia e, particularmente, da advocacia pública), com as modificações introduzidas por aquela mesma Emenda Constitucional, isso sem falar que defendo, também, o posicionamento de que somente Lei Complementar pode dispor sobre Defensoria Pública e sobre os Defensores Públicos, como quer a Constituição Cidadã de Ulisses Guimarães (...e o Estatuto da OAB é uma lei ordinária!).


Enfim, guardadas as proporções e os misteres inerentes a cada um, o Defensor Público provoca a jurisdição tanto quanto o Promotor de Justiça, não sendo, portanto, monopólio dos Advogados ou dos Advogados Públicos o ato de provocar a jurisdição. Paralelo a tal verdade, temos que a Lei (Ordinária) nº 8906 (Estatuto da Advocacia), de 04 de julho de 1994, tem status inferior ao da Lei Complementar Federal nº 80/94, sendo crível que podemos ainda melhor perceber que tratam de atividades assemelhadas, mas em essência distintas, cada uma sujeita a um regime constitucional e legal próprio.


Outrossim, como ficariam ainda o disposto no artigo 22, caput, e no artigo 23, do Estatuto da Advocacia, vez que é defeso ao Defensor Público receber honorários, verbas de sucumbência ou qualquer outra remuneração pelo seu serviço público senão os vencimentos a que por Lei faz jus? Ainda a propósito, como ficaria o caput do mesmo artigo 5º suso referido quando cotejado com o artigo 3º, § 1º, da mesma norma, vez que este último “inclui” os Defensores Públicos dentre aqueles que exercem “advocacia”?


Sim, de fato, é sustentável, independentemente doutros elevados temas tratados pela Emenda Constitucional nº 19/98, esta culminou também (de forma objetiva e concreta ou mediata, não importa) por atribuir e corrigir uma questão que urgia fosse devidamente tratada, qual seja, a de que a atuação do Defensor Público não tem as características da atuação do Advogado Público e, se é assim, sendo também verdade que o regime da Defensoria Pública não nos permite mais confundir a atuação do Defensor Público com a de um Advogado Público, fica então passível de ser construída a conclusão de que o Defensor Público não pratica ato de advocacia, mas ato de Defensoria, não sendo “Advogado Público” mas “advogado” da “causa do público hipossuficiente”, não estando mais, s.m.j., em situação fática a comportar submissão do seu cotidiano profissional de dedicação exclusiva à Defensoria Pública ao regime da OAB, até pelo fato de que este Defensor Público, como dito, poderá (em tese) ter sido empossado e nunca ter pertencido aos quadros da OAB!


Com isso, não fica difícil sustentar que o Defensor Público, ao atuar, não pratica modalidade de “advocacia”, nem mesmo de “advocacia pública”, mas um ato próprio e de uma modalidade que somente ele, Defensor Público, poderá praticar, qual seja, aquele a que ora nos permitimos sustentar hoje como um “ato de Defensoria Pública ”, como “advogado” da “causa do público hipossuficiente”... estando a expressão “advogado” aqui empregada da forma mais genérica possível., intercedendo na esfera jurídica a favor dos hipossuficientes...


E, em razão disso entendemos que este estudo tem lugar, por mais que despretensioso seja, alvitrando apenas, só e tão-somente, argumentar criticamente, mas sem esgotar o assunto, temas tão sutis e relevantes, de modo que possa vir a ser tratada a atuação do Defensor Público como um ato de uma categoria própria, com nuances próprias e por defendermos que “justiça gratuita não é favor, é direito”.


Dezembro/2002---------------------------------------------------------------------------------------------------------
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




MORAES, Humberto Peña e José Fontenelle Teixeira da Silva (in “Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado”, 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Liber Juris, 1984).


DEVISATE, Rogério dos Reis – “Acesso à Justiça – Problema de Essência: A Defensoria Pública como a Solução Constitucional para os Hipossuficientes” (“Tese Aprovada à unanimidade no V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública”, evento realizado pela OAB / SP e pelo IBAP, de 14 a 17 de junho de 2001, e publicada no livro “Acesso à Justiça”, ed. Lumen Juris, 2002, organizado por Raphael A. Sofiati de Queiroz, p. 263/290 e no livro “Desafios Éticos da Advocacia Pública”, ed. ADCOAS, 2002, organizado por Guilherme José Purvin de Figueiredo, p. 299/321).


DEVISATE, Rogério dos Reis - “A Defensoria Pública e a Globalização do Empobrecimento” (Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, nº 16, julho de 2.000, editada pelo nosso Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro)


Lei Complementar Federal nº 80/94;


Lei Ordinária Federal nº 8.906/94,


Constituição Federal de 1988


PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 00173/1995 (transformada na Emenda Constitucional nº 19/98)


Emenda Constitucional nº 19/98


Constituição do Estado do Rio de Janeiro


Lei Complementar (RJ) nº 06/77


Lei Complementar (RJ) nº 95/2000

4 comentários:

  1. é fato. a defensoria não integra o rol das carreiras da advocacia pública e precisa fortalecer o seu espaço constitucional e, quem sabe, um caminho próprio para o 5o constitucional!

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  2. Acho que os Membros do CNJ precisavam ter acesso à este artigo...

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  3. não tinha nesse efeito da emenda 19. interessante a visão do autor, mas será q com isso as DPs vão querer obter o seu próprio 5o constitucional?

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  4. Adorei este estudo. Simplesmente convincente quanto ao que é ser defensor público. Discordo na necessidade de se desvincular o defensor da oab, mas compreendo os fundamentos utilizados para concluir que a defensoria não é advocacia e que ambas, mais o ministério púbico, são diferentes entre si.

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A partir de hoje, 26.04.2010, introduzi neste blog este espaço para comentários.
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