1 de mar. de 2010

BOLÃO FEITO EM CASA LOTÉRICA - A "BANCA" TEM QUE DEMONSTRAR QUE O SISTEMA DE APOSTAS É SEGURO - TEORIA DA APARÊNCIA - RECIPROCIDADE

“A BANCA TEM QUE DEMOSNTRAR QUE O SISTEMA DE APOSTAS É SEGURO”
OU
MATIZES DA RESPONSABILIDADE NO CASO DA APOSTA DA MEGA SENA
FEITA EM CASA LOTÉRICA

1 - INTRODUÇÃO: VALE O PAPEL – QUAL A SEGURANÇA OFERECIDA PELO SISTEMA?
Causou surpresa a notícia de que haveria vencedores em bolão da Mega Sena, comprado em casa lotérica, mas que os vencedores “deixariam de ganhar o prêmio” (sic) porque a mesma não teria “feito o jogo” junto à controladora oficial do jogo.
Simples assim?
Nâo cremos, pois não se trata de responsabilidade exclusivamente imputável à funcionária da lotérica, nem à loja, nem aos consumidores que compraram o bolão, porque este “produto” era oferecido na casa lotérica sob os símbolos e predicados da garantidora governamental do sistema de jogos oficiais no Brasil, expondo em risco tanto o sistema quanto os crédulos milhões de apostadores, dentre os quais estão aqueles de todos os níveis de escolaridade e os analfabetos, consumidores que merecem guarida.
Cremos, numa primeira análise, que tanto é verdade que o jogo válido é aquele autenticado quanto a idéia de que o órgão responsável pelos jogos deva ser responsabilizada a honrar o pagamento do prêmio, até para demonstrar, como “banca” que é, que sistema de apostas é seguro.
Mas, diriam, o “papel do jogo” seria uma fotocópia e os “bolões” não são oficiais. Sim, argumentos lógicos, seguros e adequados, mas a aposta, o jogo, a relação jurídica foi feita dentro de uma loja oficial e a praxe sempre demonstrou que haviam os tais bolões e não consta que tivesse havido ampla divulgação, etc, de que os bolões não são seguros.
Para o consumidor, a segurança vem da “aparência” e do patrocínio oficial do jogo e, no final, o valor da aposta foi aceito pela lotérica, o que significa que a reciprocidade deve existir, pois se o “bolão” serve para que se arrecade o pagamento deve servir também para que se exija o prêmio.
2 - A TEORIA DA APARÊNCIA E O DIREITO À CLARA INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR – SE O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO DA BANCA NÃO CHEGA A NÃO ACEITAR O JOGO PORQUE SUPOSTAMENTE FEITO SOB A FORMA DE BOLÃO, PORQUE NÃO QUERER PAGAR PELA APOSTA?
Onde foi feito o jogo? Suponhamos que alguém passeie pelas ruas e encontre um vendedor ambulante e sem identificação, etc, vendendo bilhete de loteria ou uma fotocópia de um. Suponhamos que esse alguém compre tal “papel” e depois veja que seria o vencedor, mas que o “jogo” não foi feito na lotérica.
Agora, com outros aspectos, suponhamos que parte da mecânica do evento acima ocorra dentro de uma loja credenciada e com toda a aparência de algo oficial (propagandas, maquinário, funcionários, etc). Suponhamos, mais, que não haja expressa, clara e rica informação de que o jogo na modalidade de “bolão” não é oficial.
Bem, a teoria da aparência socorre o consumidor: o jogo feito dentro de uma loja oficial (casa lotérica) dá tom oficial ao bilhete entregue em decorrência do pagamento da aposta, tanto quanto a falta de propaganda (falta de informação, CODECON, art. 6º.) de que aquele não é um jogo oficial, inclusive, porque, no total do valor do prêmio e no que gera retenção para a “banca”, efetivamente está um representativo volume dos “bolões” habitual e permanentemente feitos em todo o Brasil.
Ora, se o sistema de controle interno da banca não chega a não aceitar o jogo (porque supostamente decorrente de bolão), como não querer pagar pelo valor apostado?
3 - O QUE É UMA APOSTA?
Tem, efetivamente, natureza de relação jurídico-material aquela configurada entre a banca e os apostadores, com o pagamento do preço e da aceitação da aposta.
Notemos que o fato de o consumidor não “jogar” diretamente com a banca, não muda o caráter do vínculo que se cria, bastando a aceitação da aposta.
E quem é o responsável pelas apostas é que responde por tudo, ao final.
E quanto à garantia do sistema? Para que não haja fraudes etc, órgão oficial (na visão do povo, o governo) garante que a aposta feita será paga. Isso é imanente ao vínculo de sobrevivência do sistema, sob pena de se igualar, digamos, a loteria oficial da loteria não autorizada. Aliás, o fato de se dizer que no caso da loteria oficial o vencedor tem ação e no da outra não tem, não nega que se alguém pagou divida de jogo não pode pretender deduzir em juízo pretensão alvitrando pedir repetição do indébito.
4 - COBRAR DE QUEM?
Dizer que quem apostou não vai receber nada é um absurdo. Mas cobrar de quem? Pretender que os ganhadores responsabilizem exclusivamente uma pessoa física ou uma casa lotérica é lutar por uma “compensação” muito aquém do prémio integral ao qual teriam direito se a entidade garantidora do sistema respondesse pela própria permanência e perpetuidade deste.
Bolao não é modalidade de aposta oficial? Sim, mas foi um “produto” oferecido dentro de uma casa lotérica e o pagamento foi feito! E, repetimos, quem é o responsável pelas apostas é que responde por tudo, ao final.
Essa mecânica tem que ser muito detidamente analisada, sob a ótica da responsabilidade penal e da responsabilidade civil. Alguém foi lesado e por algo havido dentro de um estabelecimento que atua como se a própria banca fosse, em decorrência de desdobramentos da própria aposta feita em loteria oficial, o que encontra amparo no artigo 186 do Código Civil, sendo, nesta hipótese, contudo, necessário que o lesado faça a prova da culpa.
Noutro ponto, sob o apoio de normas e princípios legais outros do próprio sistema brasileiro (do Código Civil, o citado art. 186 e, também, os artigos 932 e 933, dentre outros), temos o regramento do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece, que esta atuação viciada da prestadora do serviço ou vendedora do produto (no caso, tanto pela atuação da banca quanto da casa lotérica em seu nome) se insere no universo da responsabilidade objetiva, cujo ônus da prova não fica para o consumidor (apostador), como previsto no CODECON, art. 14.
Do mesmo modo que num acidente de ônibus não se processa o motorista (mas a empresa de ônibus) e que num problema bancário não se processa o gerente da agência (mas o banco), também aqui não se iria processar civilmente funcionário da lotérica ou até mesmo a lotérica, mas quem é na verdade o garantidor do sistema e o “outro lado” da aposta feita: o órgão oficial que credencia terceiros e que o mantém, sob seus ícones, marcas e segura aparência, como se a própria fosse, como para o consumidor, é de fato – e em responsabilidade.
Teremos que cotejar, de um lado, que o jogo segue as “normas gerais dos concursos de prognósticos” do Ministério da Fazenda, que a Lei 8987/95 rege a atuação das lotéricas e que o bilhete emitido pelo terminal de apostas é o único comprovante valido com a boa-fé do consumidor, muitas vezes não alfabetizado, com a teoria da aparência, com a inadequada informação ao consumidor sobre os bolões e com o fato de que a aposta sob a forma de bolão foi efetivamente feita num estabelecimento que age em nome e como sendo a própria banca, aliado à idéia de que o dinheiro dos bolões usualmente engrossa o total arrecadado em apostas e os prêmios e nunca foi recusado na praxe, donde pretender negar sob tal argumento revela-se impróprio.
Com isso, teremos que responderá perante o consumidor (porque entre a banca e o consumidor é que o jogo foi feito), ainda que para tanto tenha havido atos comissivos ou omissivos de muitos (funcionários ou casas lotéricas etc), sendo merecedor de destaque que tal ocorrerá tanto se o vício ocorrer no rol de atos ordinários (comuns) quanto em condutas em que estes tenham se desvirtuado dos sentidos habituais para assumirem condutas alheias ao pacto original (incluindo ai a prática de ilícitos civis e penais), já que a banca, no caso, tem contra si, ainda, a culpa de vigiar e corrigir o comportamento de todos os que atuam em seu nome!
5 - CONCLUSÃO:
Nâo se tem ou teve, aqui, o propósito de esgotar a análise do tema, inclusive porque eventuais reflexos das condutas, quando cotejadas com a norma penal, não foram analisados, mas podemos então destacar que (1) a banca tem que zelar pelos seus prepostos e vigiar e corrigir os seus comportamentos, já que é responsável pelos que atuam em seu nome, ainda que estes tenham se desvirtuado da proposta original (responsabiidade objetiva) e que (2) se quiser, que busque regredir contra aqueles, sendo certo que há interdependência entre as esferas administrativa, penal e civil e que mesmo que a conduta penal se mostre ao final irrelevante, isso não vincula o enfoque civil do tema.
Apesar dos considerandos aqui versados, que tratam do que na imprensa a respeito se divulgou sobre o tema, o Poder Judiciário saberá dar a solução que se mostrar mais adequada ao tema, se vier a ser deduzido qualquer pretensão em Juízo, a esse respeito.

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