17 de mar. de 2010

MEDICAMENTOS DEVEM SER CUSTEADOS PELO PODER PÚBLICO, PARA PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES - SISTEMA SUS - DECISÃO DO STF

O Plenário do STF - Supremo Tribunal Federal determinou que o sistema SUS (sistema único de saúde)arque com os custos de medicamentos ou tratamentos caros, a portadores de doenças graves.
O ministro Gilmar Mendes foi o relator das Suspensões de Tutela Antecipada(STA) 175, 211 e 278, das Suspensões de Segurança 3724, 2944, 2361, 3345 e 3355 e da Suspensão de Liminar (SL) 47.
Foi reconhecido que “há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim não se pode afirmar que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas dos SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial”.
Os comandos da Carta Política tem que ser cumpridos pelo poder público e se as políticas públicas descumprem tais preceitos o Judiciário tem que agir, como feito.
=============
=============
Consta do voto do relator, in verbis:
..."Diante da relevância da concretização do direito
à saúde e da complexidade que envolve a discussão de fornecimento de tratamentos e medicamentos por parte do Poder Público, inclusive por determinação judicial, entendo necessário, inicialmente, retomar o tema sob uma perspectiva mais ampla, o que faço a partir de um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas
presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel. Sepúlveda
Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso, DJ 18.5.2001.
Passo então a analisar as questões complexas relacionadas à concretização do direito fundamental à saúde, levando em conta, para tanto, as experiências e os
dados colhidos na Audiência Pública – Saúde, realizada neste Tribunal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.
A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição.
Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica.
Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado,
passível de garantia pela via judicial.

As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da norma constitucional do direito à saúde decorrem, especialmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen).
Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote)
. Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161.).
Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de
providências estatais com vistas à criação e à conformação de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação.
Ressalto, nessa perspectiva, as contribuições de Stephen Holmes e Cass Sunstein para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos
públicos, dando significativo relevo ao tema da “reserva do possível”, especialmente ao evidenciar a “escassez dos recursos” e a necessidade de se fazerem escolhas
alocativas, concluindo, a partir da perspectiva das finanças públicas, que “levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez” (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999).
Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestações em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos
sociais o principal argumento contrário à sua judicialização.
A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais
direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível.
Em relação aos direitos sociais, é preciso levar
em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos
cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos.
Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das
políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem “escolhas trágicas” pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos
para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e a eficácia do serviço a ser
prestado, a maximização dos resultados etc.
Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não
teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001).
Por outro lado, defensores da atuação do Poder
Judiciário na concretização dos direitos sociais, em
especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos
são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa
humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um
dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade
da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de
apreciação judicial.
O fato é que o denominado problema da
“judicialização do direito à saúde” ganhou tamanha
importância teórica e prática, que envolve não apenas os
operadores do direito, mas também os gestores públicos, os
profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um
todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por
outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias.
Lembro, neste ponto, a sagaz assertiva do
professor Canotilho segundo a qual “paira sobre a dogmática
e teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e
culturais a carga metodológica da vaguidez, indeterminação
e impressionismo que a teoria da ciência vem apelidando, em
termos caricaturais, sob a designação de ‘fuzzismo’ ou
‘metodologia fuzzy’”. “Em toda a sua radicalidade –
enfatiza Canotilho – a censura de fuzzysmo lançada aos
juristas significa basicamente que eles não sabem do que
estão a falar quando abordam os complexos problemas dos
direitos econômicos, sociais e culturais” (CANOTILHO, J. J.
Gomes. Metodologia “fuzzy” e “camaleões normativos” na
problemática actual dos direitos econômicos, sociais e
culturais. In: Estudos sobre direitos fundamentais.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 100.).
Nesse aspecto, não surpreende o fato de que a
problemática dos direitos sociais tenha sido deslocada, em
grande parte, para as teorias da justiça, as teorias da
argumentação e as teorias econômicas do direito (CANOTILHO,
op. cit., p. 98).
Enfim, como enfatiza Canotilho, “havemos de
convir que a problemática jurídica dos direitos sociais se
encontra hoje numa posição desconfortável” (CANOTILHO, op.
cit., p. 99). De toda forma, parece sensato concluir que, ao
fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser resolvidos
levando-se em consideração todas as perspectivas que a
questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação
são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações
conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em
outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos.
Alexy segue linha semelhante de conclusão, ao
constatar a necessidade de um modelo que leve em conta
todos os argumentos favoráveis e contrários aos direitos
sociais, da seguinte forma:
“Considerando os argumentos contrários e favoráveis
aos direitos fundamentais sociais, fica claro que
ambos os lados dispõem de argumentos de peso. A
solução consiste em um modelo que leve em
consideração tanto os argumentos a favor quantos os
argumentos contrários. Esse modelo é a expressão da
idéia-guia formal apresentada anteriormente, segundo
a qual os direitos fundamentais da Constituição alemã
são posições que, do ponto de vista do direito
constitucional, são tão importantes que a decisão
sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser
simplesmente deixada para a maioria parlamentar.
(...) De acordo com essa fórmula, a questão acerca de
quais direitos fundamentais sociais o indivíduo
definitivamente tem é uma questão de sopesamento
entre princípios. De um lado está, sobretudo, o
princípio da liberdade fática. Do outro lado estão os
princípios formais da competência decisória do
legislador democraticamente legitimado e o princípio
da separação de poderes, além de princípios
materiais, que dizem respeito sobretudo à liberdade
jurídica de terceiros, mas também a outros direitos
fundamentais sociais e a interesses coletivos.”
(ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.
Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008, p. 511-512)
Ressalte-se, não obstante, que a questão dos
direitos fundamentais sociais enfrenta desafios no direito
comparado que não se apresentam em nossa realidade. Isso
porque a própria existência de direitos fundamentais
sociais é questionada em países cujas Constituições não os
preveem de maneira expressa ou não lhes atribuem eficácia plena. É o caso da Alemanha, por exemplo, cuja Constituição
Federal praticamente não contém direitos fundamentais de
maneira expressa (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008, p. 500), e de Portugal, que
diferenciou o regime constitucional dos direitos,
liberdades e garantias do regime constitucional dos
direitos sociais (ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os
Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
3ª Edição. Coimbra: Almedina, 2004, p. 385).
Ainda que essas questões tormentosas permitam
entrever os desafios impostos ao Poder Público e à
sociedade na concretização do direito à saúde, é preciso
destacar de que forma a nossa Constituição estabelece os
limites e as possibilidades de implementação deste direito.
O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196
da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2)
“dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas
sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de
doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do
“acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Examinemos cada um desses elementos.
(1) direito de todos:
É possível identificar, na redação do referido
artigo constitucional, tanto um direito individual quanto
um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo
196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão
somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos,
apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da
Constituição.
A dimensão individual do direito à saúde foi
destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator do AgR-RE
n.º 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um
direito público subjetivo assegurado à generalidade das
pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação
jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que “a
interpretação da norma programática não pode transformá-la
em promessa constitucional inconseqüente”, impondo aos
entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu
que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o
legislador constituinte qualificasse como prestações de
relevância pública as ações e serviços de saúde (CF, art.
197)”,
legitimando a atuação do Poder Judiciário nas
hipóteses em que a Administração Pública descumpra o
mandamento constitucional em apreço. (AgR-RE N. 271.286-
8/RS, Rel. Celso de Mello, DJ 12.09.2000).
Não obstante, esse direito subjetivo público é
assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou
seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer
procedimento necessário para a proteção, promoção e
recuperação da saúde, independentemente da existência de
uma política pública que o concretize. Há um direito
público subjetivo a políticas públicas que promovam,
protejam e recuperem a saúde.
Em decisão proferida na ADPF n.º 45/DF, o Min.
Celso de Mello consignou o seguinte:
“Desnecessário acentuar-se, considerando o encargo
governamental de tornar efetiva a aplicação dos
direitos econômicos, sociais e culturais, que os
elementos componentes do mencionado binômio
(razoabilidade da pretensão + disponibilidade
financeira do Estado) devem configurar-se de modo
afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausentes qualquer desses elementos,
descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de
realização prática de tais direitos”.(ADPF-MC N.º 45,
Rel. Celso de Mello, DJ 4.5.2004).
Assim, a garantia judicial da prestação
individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao
não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de
Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado
e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso.
(2) dever do Estado:
O dispositivo constitucional deixa claro que,
para além do direito fundamental à saúde, há o dever
fundamental de prestação de saúde por parte do Estado
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
O dever de desenvolver políticas públicas que
visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à
recuperação da saúde está expresso no artigo 196.
A competência comum dos entes da Federação para
cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição.
União, Estados, Distrito Federal e Municípios são
responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo
quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados
passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa,
pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal),
de prestações na área de saúde.
O fato de o Sistema Único de Saúde ter
descentralizado os serviços e conjugado os recursos
financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de
aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde,
apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre
eles. As ações e os serviços de saúde são de relevância
pública, integrantes de uma rede regionalizada e
hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e
constituem um sistema único.
Foram estabelecidas quatro diretrizes básicas
para as ações de saúde: direção administrativa única em
cada nível de governo; descentralização político-
administrativa; atendimento integral, com preferência para
as atividades preventivas; e participação da comunidade.
O Sistema Único de Saúde está baseado no
financiamento público e na cobertura universal das ações de
saúde. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a
manutenção do sistema, é necessário que se atente para a
estabilidade dos gastos com a saúde e, consequentemente,
para a captação de recursos.
O financiamento do Sistema Único de Saúde, nos
termos do art. 195, opera-se com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Emenda
Constitucional n.º 29/2000, com vistas a dar maior
estabilidade para os recursos de saúde, consolidou um
mecanismo de cofinanciamento das políticas de saúde pelos
entes da Federação.
A Emenda acrescentou dois novos parágrafos ao
artigo 198 da Constituição, assegurando percentuais mínimos
a serem destinados pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios para a saúde, visando a um aumento e a uma maior
estabilidade dos recursos. No entanto, o § 3º do art. 198
dispõe que caberá à Lei Complementar estabelecer: os
percentuais mínimos de que trata o § 2º do referido artigo;
os critérios de rateio entre os entes; as normas de
fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde; as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União;
além, é claro, de especificar as ações e os serviços
públicos de saúde.
O art. 200 da Constituição, que estabeleceu as
competências do Sistema Único de Saúde (SUS), é
regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.
O SUS consiste no conjunto de ações e serviços de
saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e
indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público,
incluídas as instituições públicas federais, estaduais e
municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de
insumos e medicamentos, inclusive de sangue e
hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
(3) garantido mediante políticas sociais e
econômicas:
A garantia mediante políticas sociais e
econômicas ressalva, justamente, a necessidade de
formulação de políticas públicas que concretizem o direito
à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável
que, além da necessidade de se distribuírem recursos
naturalmente escassos por meio de critérios distributivos,
a própria evolução da medicina impõe um viés programático
ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta,
um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento
cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença
supostamente erradicada.
(4) políticas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos:
Tais políticas visam à redução do risco de doença
e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimensão preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram,
inclusive, indicadas como prioritárias pelo artigo 198,
inciso II, da Constituição.
(5) políticas que visem ao acesso universal e
igualitário:
O constituinte estabeleceu, ainda, um sistema
universal de acesso aos serviços públicos de saúde.
Nesse sentido, a Ministra Ellen Gracie, na STA
91, ressaltou que, no seu entendimento, o art. 196 da
Constituição refere-se, em princípio, à efetivação de
políticas públicas que alcancem a população como um todo
(STA 91-1/AL, Ministra Ellen Gracie, DJ 26.02.2007).
O princípio do acesso igualitário e universal
reforça a responsabilidade solidária dos entes da
Federação, garantindo, inclusive, a “igualdade da
assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie” (art. 7º, IV, da Lei 8.080/90).
(6) ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde:
O estudo do direito à saúde no Brasil leva a
concluir que os problemas de eficácia social desse direito
fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à
implementação e à manutenção das políticas públicas de
saúde já existentes - o que implica também a composição dos
orçamentos dos entes da Federação - do que à falta de
legislação específica. Em outros termos, o problema não é
de inexistência, mas de execução (administrativa) das
políticas públicas pelos entes federados.
A Constituição brasileira não só prevê
expressamente a existência de direitos fundamentais sociais (artigo 6º), especificando seu conteúdo e forma de
prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215, 217, entre
outros), como não faz distinção entre os direitos e deveres
individuais e coletivos (capítulo I do Título II) e os
direitos sociais (capítulo II do Título II), ao estabelecer
que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata (artigo 5º, § 1º, CF/88). Vê-se, pois, que os
direitos fundamentais sociais foram acolhidos pela
Constituição Federal de 1988 como autênticos direitos
fundamentais. Não há dúvida – deixe-se claro – de que as
demandas que buscam a efetivação de prestações de saúde
devem ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto
constitucional e de suas peculiaridades.
Mesmo diante do que dispõem a Constituição e as
leis relacionadas à questão, o que se tem constatado, de
fato, é a crescente controvérsia jurídica sobre a
possibilidade de decisões judiciais determinarem ao Poder
Público o fornecimento de medicamentos e tratamentos,
decisões estas nas quais se discute, inclusive, os
critérios considerados para tanto.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, é
recorrente a tentativa do Poder Público de suspender
decisões judiciais nesse sentido. Na Presidência do
Tribunal existem diversos pedidos de suspensão de
segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão
de liminar, com vistas a suspender a execução de medidas
cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento
das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de
medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses;
criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação
de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames;
custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no
exterior, entre outros). Assim, levando em conta a grande quantidade de
processos e a complexidade das questões neles envolvidas,
convoquei Audiência Pública para ouvir os especialistas em
matéria de Saúde Pública, especialmente os gestores
públicos, os membros da magistratura, do Ministério
Público, da Defensoria Pública, da Advocacia da União,
Estados e Municípios, além de acadêmicos e de entidades e
organismos da sociedade civil.
Após ouvir os depoimentos prestados pelos
representantes dos diversos setores envolvidos, ficou
constatada a necessidade de se redimensionar a questão da
judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque,
na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em
razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas
públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo
em vista uma necessária determinação judicial para o
cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se
cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de
livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros
Poderes quanto à formulação de políticas públicas.
Esse foi um dos primeiros entendimentos que
sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública-
Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de
judicialização ou, em termos mais simples, de interferência
do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas
públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase
totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do
efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.
Esse dado pode ser importante para a construção
de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como
este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros
Poderes.
Assim, também com base no que ficou esclarecido
na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a
existência, ou não, de política estatal que abranja a
prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma
prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e
econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o
Judiciário não está criando política pública, mas apenas
determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência
de um direito subjetivo público a determinada política
pública de saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver
entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a
não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou
administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não
fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.
Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a
condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde
não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA).
Como ficou claro nos depoimentos prestados na
Audiência Pública, é vedado à Administração Pública
fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.
A Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a
vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos,
as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos,
determina, em seu artigo 12, que “nenhum dos produtos de
que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser
industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo
antes de registrado no Ministério da Saúde”. O artigo 16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do
registro, entre eles o de que o produto seja reconhecido
como seguro e eficaz para o uso a que se propõe. O Art. 18
ainda determina que, em se tratando de medicamento de
procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência
de registro válido no país de origem.
O registro de medicamento, como ressaltado pelo
Procurador-Geral da República na Audiência Pública, é uma
garantia à saúde pública. E, como ressaltou o Diretor-
Presidente da ANVISA na mesma ocasião, a Agência, por força
da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica
dos fármacos. Após verificar a eficácia, a segurança e a
qualidade do produto e conceder-lhe o registro, a ANVISA
passa a analisar a fixação do preço definido, levando em
consideração o benefício clínico e o custo do tratamento.
Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não
trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do
que o medicamento já existente com a mesma indicação.
Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se
como condição necessária para atestar a segurança e o
benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o
Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.
Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos
excepcionais, a importação de medicamento não registrado
poderá ser autorizada pela ANVISA. A Lei n.º 9.782/99, que
criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
permite que ela dispense de “registro” medicamentos
adquiridos por intermédio de organismos multilaterais
internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo
Ministério da Saúde.
O segundo dado a ser considerado é a existência
de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o
objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu
não custear por entender que inexistem evidências
científicas suficientes para autorizar sua inclusão.
Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas
situações: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas
não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem
nenhum tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do
Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição,
restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e
econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e
recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à
corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso,
adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que
permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento
correspondente com os medicamentos disponíveis e as
respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em
desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela,
pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do
Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio
constitucional do acesso universal e igualitário às ações e
prestações de saúde, só torna-se viável mediante a
elaboração de políticas públicas que repartam os recursos
(naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e
prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem
administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo
a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da
população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir
que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento
fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia
ou a impropriedade da política de saúde existente.
Essa conclusão não afasta, contudo, a
possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria
Administração, decidir que medida diferente da custeada
pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por
razões específicas do seu organismo, comprove que o
tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive,
como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência
Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos
existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não
se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua
contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência
de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso
diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos
novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde
brasileiro.
Os tratamentos experimentais (sem comprovação
científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios
ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em
pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-
se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto,
o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.
Como esclarecido, na Audiência Pública da Saúde,
pelo Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser
compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou
avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado
apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso
expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.
No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a
pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que
participaram do estudo clínico, mesmo após seu término. Quanto aos novos tratamentos (ainda não
incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado
redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos
especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento
médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e
dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia
administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos
Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor
distribuição de recursos públicos e a segurança dos
pacientes, por outro a aprovação de novas indicações
terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por
excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito
prestado pela iniciativa privada.
Parece certo que a inexistência de Protocolo
Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da
integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre
as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as
disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a
omissão administrativa no tratamento de determinada
patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto
por ações individuais como coletivas. No entanto, é
imprescindível que haja instrução processual, com ampla
produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo
à concessão de medida cautelar.
Portanto, independentemente da hipótese levada à
consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas
deixam clara a necessidade de instrução das demandas de
saúde para que não ocorra a produção padronizada de
iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que,
muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso
concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a
dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão
objetiva do direito à saúde. Esse é mais um dado
incontestável, colhido na Audiência Pública – Saúde. Com fundamento nessas considerações, que entendo
essenciais para a reflexão e a discussão do presente caso
pelo Plenário desta Corte, retomo, de forma específica, as
razões apresentadas pela União em seu agravo regimental.
Da análise do presente recurso, concluo que a
agravante não traz novos elementos aptos a determinar a
reforma da decisão agravada.
Em primeiro lugar, a agravante repisa a alegação
genérica de violação ao princípio da separação dos Poderes,
o que já havia sido afastado pela decisão impugnada, a qual
assentou a possibilidade, em casos como o presente, de o
Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio
do fornecimento de medicamento ou de tratamento
imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da
qualidade de vida da paciente. Colhe-se dos autos que a
decisão impugnada informa a existência de provas
suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a
necessidade do medicamento indicado.
Quanto à possibilidade de intervenção do Poder
Judiciário, destaco a ementa da decisão proferida na ADPF-
MC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004:
“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL
DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM
TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO
CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL.
DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO
POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS
INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO
NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’.
VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS
LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE
SEGUNDA GERAÇÃO).”
Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e
Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta,
2004, p. 251):
“Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de
diseñar políticas públicas, sino la de confrontar el
diseño de políticas asumidas con los estándares
jurídicos aplicables y – en caso de hallar
divergencias – reenviar la cuestión a los poderes
pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su
actividad en consecuencia. Cuando las normas
constitucionales o legales fijen pautas para el
diseño de políticas públicas y los poderes
respectivos no hayan adoptado ninguna medida,
corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión
y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna
medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede
ser conceptualizada como la participación en un
<> entre los distintos poderes del Estado
para la concreción del programa jurídico-político
establecido por la constitución o por los pactos de
derechos humanos.” (sem grifo no original)
Além disso, a agravante, reiterando os
fundamentos da inicial, aponta, de forma genérica, que a
decisão objeto desta suspensão invade competência
administrativa da União e provoca desordem em sua esfera,
ao impor-lhe deveres que são do Estado e do Município.
Contudo, a decisão agravada deixou claro que existem casos
na jurisprudência desta Corte que afirmam a
responsabilidade solidária dos entes federados em matéria
de saúde.
Após refletir sobre as informações colhidas na
Audiência Pública - Saúde e sobre a jurisprudência recente
deste Tribunal, é possível afirmar que, em matéria de saúde
pública, a responsabilidade dos entes da Federação deve ser
efetivamente solidária.
No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo
Tribunal consignou o entendimento segundo o qual a
responsabilidade pelas ações e serviços de saúde é da
União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado: “SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS –
DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar
meios visando a alcançar a saúde, especialmente
quando envolvida criança e adolescente. O Sistema
Único de Saúde torna a responsabilidade linear
alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro
Marco Aurélio, DJ 22.02.2000).
Em sentido idêntico, no RE-AgR 255.627-1, o
Ministro Nelson Jobim afastou a alegação do Município de
Porto Alegre de que não seria responsável pelos serviços de
saúde de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no
precedente do RE 280.642, no qual a 2ª Turma havia decidido
questão idêntica, negou provimento ao Agravo Regimental do
Município:
“(...) A referência, contida no preceito, a “Estado”
mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os
Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os
Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao
Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos
termos do artigo n.º 195, com recursos do orçamento,
da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz,
a descentralização das ações e serviços públicos de
saúde que devem integrar rede regionalizada e
hierarquizada, com direção única em cada esfera de
governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de
eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da
atividade, afigura-se como fato incontroverso,
porquanto registrada, no acórdão recorrido, a
existência de lei no sentido da obrigatoriedade de
fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os
concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de
Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em
diplomas específicos, ou seja, os convênios
celebrados no sentido da implantação do Sistema Único
de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do
Estado. Por outro lado, como bem assinalado no
acórdão, a falta de regulamentação municipal para o
custeio da distribuição não impede fique assentada a
responsabilidade do Município. (...)” (RE-AgR
255.627-1/RS, 2ª Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ
21.11.2000)
A responsabilidade dos entes da Federação foi
muito enfatizada durante os debates na Audiência Pública - Saúde, oportunidade em que externei os seguintes
entendimentos sobre o tema:
O Poder Judiciário, acompanhado pela doutrina
majoritária, tem entendido que a competência comum
dos entes resulta na sua responsabilidade solidária
para responder pelas demandas de saúde.
Muitos dos pedidos de suspensão de tutela
antecipada, suspensão de segurança e suspensão de
liminar fundamentam a ocorrência de lesão à ordem
pública na desconsideração, pela decisão judicial,
dessa divisão de responsabilidades estabelecidas pela
legislação do SUS, alegando que a ação deveria ter
sido proposta contra outro ente da Federação.
Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é
responsável pela prestação dos serviços de saúde.
Importa aqui reforçar o entendimento de que cabe à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios agirem em conjunto no cumprimento do
mandamento constitucional.
A Constituição incorpora o princípio da lealdade
à Federação por parte da União, dos Estados e
Municípios no cumprimento de suas tarefas comuns.
De toda forma, parece certo que, quanto ao
desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade
solidária, deve ser construído um modelo de cooperação e de
coordenação de ações conjuntas por parte dos entes
federativos.
Ressalto que o tema da responsabilidade solidária
dos entes federativos em matéria de saúde também poderá ser
apreciado pelo Tribunal no RE 566.471, Rel. Min. Marco
Aurélio, o qual tem repercussão geral reconhecida, nos
termos da seguinte ementa:
SAÚDE – ASSISTÊNCIA – MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO –
FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia
sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer
medicamento de alto custo.
Também tramita nesta corte a Proposta de Súmula
Vinculante n.º 4, que propõe tornar vinculante o
entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações
de saúde. Referida PSV teve a tramitação sobrestada por
decisão da Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comissão de
Jurisprudência, e está no aguardo da apreciação do mérito
do referido RE 566.471 (DJe 26.8.09).
Assim, apesar da responsabilidade dos entes da
Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões
delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao
determinar a responsabilidade da União no fornecimento do
tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que
fixaram a competência comum (art. 23, II, da CF), a Lei
Federal n.º 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência desta
Corte. Entendo, pois, que a determinação para que a União
arque com as despesas do tratamento não configura grave
lesão à ordem pública.
A correção ou não deste posicionamento,
entretanto, não é passível de ampla cognição nos estritos
limites deste juízo de contracautela, como quer fazer valer
a agravante.
Da mesma forma, as alegações referentes à
ilegitimidade passiva da União, à violação do sistema de
repartição de competências, à necessidade de figurar como
réu na ação principal somente o ente responsável pela
dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da
lei do SUS, não são passíveis de ampla delibação no juízo
do pedido de suspensão de segurança, pois constituem o
mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame
do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que
ensejou a tutela antecipada. Nesse sentido: SS-AgR n.º
2.932/SP, Ellen Gracie, DJ 25.4.2008 e SS-AgR n.º 2.964/SP,
Ellen Gracie, DJ 9.11.2007, entre outros. Ademais, diante da natureza excepcional do
pedido de contracautela, evidencia-se que a sua
eventual concessão no presente momento teria caráter
nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à
subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da
paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano
inverso.
Neste ponto, o pedido formulado tem nítida
natureza de recurso, o que contraria o entendimento
assente desta Corte acerca da impossibilidade do pedido
de suspensão como sucedâneo recursal, do qual se
destacam os seguintes julgados: SL 14/MG, rel. Maurício
Corrêa, DJ 03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim, DJ
19.10.2005; 56-AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006.
Melhor sorte não socorre à agravante quanto aos
argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas,
visto que a decisão agravada consignou, de forma expressa,
que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que
tem registro na ANVISA não é suficiente para impedir o seu
fornecimento pelo Poder Público.
Além disso, não procede a alegação de temor de
que esta decisão sirva de precedente negativo ao Poder
Público, com possibilidade de ensejar o denominado efeito
multiplicador, pois a análise de decisões dessa natureza
deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os
elementos normativos e fáticos da questão jurídica
debatida.
Por fim, destaco que a agravante não infirma o
fundamento da decisão agravada de que, em verdade, o que se
constata é a ocorrência de grave lesão em sentido inverso
(dano inverso), caso a decisão venha a ser suspensa (fl.
183). Ante o exposto, nego provimento ao agravo
regimental.
É como voto"
(destacamos e grifamos - original, in http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/STA175.pdf )

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A partir de hoje, 26.04.2010, introduzi neste blog este espaço para comentários.
Grato pela visita.